Cláudia Lemes: Análise semiótica do vídeo deixa claro: “Eles querem nossas cabeças”

Cláudia Lemes: Análise semiótica do vídeo deixa claro: “Eles querem nossas cabeças”
Reprodução

Uma breve análise da reunião ministerial sob a ótica das imagens
por Cláudia Regina Lemes*


Não comentarei aqui os palavrões, as confissões criminosas, o escárnio com as vidas humanas que ficaram expostas nas falas da citada reunião ministerial.

Para escrever esta nota, fiz o exercício de diminuir o som e observar as imagens.

Vi um grupo de homens brancos diante de uma mesa e alguns sorrisos amarelados.

Sergio Moro — o ministro que alavancou a decisão da divulgação de tal vídeo, após deixar o governo — manteve-se de braços cruzados quase o tempo total da reunião.

Ao fundo o slogan e a imagem do Pró Brasil.

Um poster composto de crianças brancas representando a parcela da elite brasileira.

Uma mulher – Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos — com semblante alienado.

Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, apresentou-se na maior parte do tempo com cotovelos apoiados na mesa e tórax projetado para frente, em posição de ataque — posição esta justificada pela sua fala: confronto com as leis, as regras e as normas do Meio Ambiente, o que justifica sua postura corporal.

Ao seu lado direito o ministro da Saúde — hoje já fora do ministério — Nelson Teich, levemente encurvado e sem encarar os palestrantes, se posicionou durante a fala de Salles com a boca entreaberta, sobrancelhas elevadas para o alto — espanto — olhou Salles nos olhos parecendo atônito, seguindo atentamente sua fala.

Os movimentos faciais de Salles eram acompanhados por Teich, que parecia não só ouvi-lo como também lê-lo através da face.

Um indivíduo que dedicou a vida aos estudos da Saúde humana provavelmente não aceita com tranquilidade o argumento de se aproveitar da distração da imprensa com as mortes causadas pelo coronavírus para relaxamento das leis ambientais.

A expressão de Teich denota perplexidade.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, de todos o mais curvado sobre a mesa, barba e cabelos mal cuidados, aparência de desleixo, denota a baixa autoestima de um ministro que provavelmente se vê pequeno diante dos funcionários de carreira do Ministério que aceitou dirigir: situação que expõe para ele mesmo quão pouco ele é.

Ao falar, o ódio nasce da sua expressão facial.

Mesmo sem som, é nítida a intensidade de sua raiva, expressa na tensão dos lábios, nos gestos com braços e mãos.

Teich se afasta para não ser atingido pelo movimento de braço do ministro Wentraub.

O vice presidente Mourão sorri com ar de quem assiste a uma comédia, mas reserva-se das gargalhadas.

Sorri com o canto dos lábios e por vezes desvia o olhar para o presidente, mantendo o cuidado de olhá-lo de baixo para cima, de forma que o olhar precise ser erguido para alcançar o do presidente.

Tal qual os cães para o dono.

Durante a exposição verbal do ministro Rogério Marinho — que apresenta algumas discordâncias de Guedes — parte dos integrantes da mesa movimenta as mãos para a própria boca, num sinal de que pensavam: isto não se pode falar, afinal o Guedes é o “filho preferido”.

Bolsonaro se porta na posição de rei.

Demonstra o que pensa sobre si mesmo: um monarca que não deve ser contrariado, que espera ser reverenciado, que pode investir contra seus opositores, sejam eles quem forem.

A imagem mostra o que aquele grupo entende por Brasil: um lugar a ser explorado, uma selva a ser botada ao chão, um território a ser tomado do povo pelos “verdadeiros” brasileiros.

O que se entende por brasileiros: homens brancos burgueses, heterossexuais defensores de dogmas, poderes e posição social que consideram direitos humanos coisa de opositores.

Dominadores de algumas mulheres brancas omissas e crianças brancas advindas destes relacionamentos.

Este é o Brasil acima de todos: acima de todo o resto da população.

Homens e mulheres negros/as, indígenas, mestiços, empobrecidos/as, mulheres e homens pensantes, defensores dos direitos humanos, homossexuais e minorias: UNI-VOS … pois eles querem nossas cabeças.

*Cláudio Regina Lemes é Mestre em Semiótica e Educação, Doutoranda do IPUSP — no programa de Psicologia do Desenvolvimento Humano e Personalidade.


Viomundo

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