Reforma e pandemia: adeus às relações trabalhistas, Por Bruno Chaise Mundo pós pandemia terá alta de subemprego, recessão e transtornos mentais, prevê sociólogo da FESPSP, por Lucas Brito

Reprodução/Revista Esquinas

Por Bruno Chaise, para a Revista Esquinas

O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE) aponta que cinco milhões de brasileiros podem perder seus empregos em um período de três meses. As verbas com prazos descumpridos da rescisão contratual podem ser objeto de ação judicial. Em razão disso, o advogado trabalhista Danilo Nascimento prevê um aumento significativo na demanda da justiça do trabalho, capaz de causar um colapso. “Se todas as pessoas entrarem na justiça, não haverá condições de adimplemento, ou seja, a pessoa vai ganhar o processo mas não vai receber nada”.

“Com certeza vai ser o antes e o depois da pandemia”, afirma a professora de Direito do Trabalho Maria Cláudia Felten. Para ela, o surto da covid-19 carrega uma incerteza nunca antes vista sobre o futuro das relações trabalhistas. “A suspensão das atividades em todo País trouxe prejuízos para o empregador e, por consequência, para o trabalhador”, diz.

Com o intuito de auxiliar as empresas, o Governo Federal emitiu as medidas provisórias 927 e 936. Entre as disposições estão: a possibilidade do adiantamento de férias individuais e coletivas, a redução proporcional de salários e jornadas e a suspensão temporária na prestação de serviço.

De acordo com o advogado do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Raphael Maia, essas medidas podem precarizar ainda mais o trabalhador. “Elas passam por cima de direitos constitucionais. As empresas estão fazendo mais movimentos do que seria necessário. Estão aproveitando a situação para diminuir ainda mais os direitos dos trabalhadores”, afirma.

Para Maria Cláudia, é preciso cuidar para que as flexibilizações previstas nas medidas provisórias não continuem após a pandemia. “Infelizmente, atacar a legislação trabalhista sempre pareceu ser mais fácil do que fazer reformas fiscais em resposta à pandemia. Que o ‘fácil’ não seja para sempre neste caso”.
A professora concorda que muitos empregadores não terão condições de pagar benefícios constitucionais como férias, décimo terceiro e verbas rescisórias. “Não é nem provavelmente, e sim, certamente. Não por uma questão de opção, mas por falta de recursos”. Segundo ela, é preciso considerar que o Brasil já vinha de uma crise — não só econômica, mas social e política também. “As empresas brasileiras não vivem seus melhores momentos já faz algum tempo e a reforma trabalhista de 2017 foi uma resposta a essa crise”, afirma.

Danilo diz que a nova lei trabalhista poderá ser um obstáculo no período pós-pandemia, tendo em vista o enfraquecimento dos sindicatos. Além disso, o advogado pontua que o empregador poderá se valer do momento para flexibilizar ainda mais o contrato dos empregados. “Sem o sindicato, vai ficar cada vez mais difícil para o trabalhador. A média salarial e a qualidade do emprego vão ser reduzidas”, conclui.

Raphael acredita que as críticas ao trabalho dos sindicatos são de cunho cultural. “Muitas vezes, o trabalhador liga para o sindicato para saber qual é o valor do reajuste e, na mesma ligação, pergunta como cancelar a contribuição”, ressalta. O advogado do Sindicato dos Jornalistas diz que cabe aos trabalhadores se conscientizarem e fortalecerem as suas entidades. “Vai ser difícil para algumas categorias que têm sindicatos mais fracos e estão mais desorganizadas se estruturarem para fazer um combate pós pandemia”, pontua.

Em vigor há menos de três anos, a nova lei trabalhista tinha como o objetivo diminuir a informalidade dos trabalhadores, o que não ocorreu. Em um ano, o número de trabalhadores informais cresceu 5,5% , segundo o IBGE. Danilo acredita que esse aumento se deve ao custo da carteira assinada para os empregadores. “O governo tem que diminuir os encargos sociais. Um trabalhador que ganha dois mil reais por mês custa quatro mil para o seu empregador mantê-lo em razão das obrigações trabalhistas”, afirma o advogado trabalhista.

Para Maria Cláudia, o número de trabalhadores informais deve aumentar ainda mais devido ao reflexo das novas tecnologias. É o caso dos motoristas de aplicativos que não possuem carteira assinada. “Temos que pensar duas vezes antes de defender o vínculo de emprego em situações como essa. Se for reconhecido, certamente essas atividades não vão mais empregar a quantidade de pessoas que empregam hoje”, pondera.

Como professora de Direito do Trabalho, ela lamenta admitir que o vínculo por meio de carteira assinada será cada vez mais raro no Brasil. “Isso é reflexo da falta de seriedade de quem faz a legislação nesse país. Alguém viu alguma lei no sentido de flexibilizar a cobrança dos tributos durante a calamidade pública? Ou de redução dos vencimentos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário?”, contesta.

O medo do desemprego poderá, ainda, fazer com que muitos trabalhadores se submetam a condições inapropriadas de trabalho. Danilo reitera que algumas classes farão o mesmo serviço com redução de salário e sem vínculo empregatício. Raphael suspeita que possamos chegar a um ponto de revolta por parte dos trabalhadores: “Nesse contexto, podemos começar a ter sabotagens em fábricas, por exemplo. As pessoas não vão ter mais nada a perder e não vão mais acreditar no sistema”.

A professora alega que as relações que envolvem o Direito do Trabalho serão permanentemente afetadas pela covid-19. “Diferente das relações de consumo, as relações de trabalho têm mágoa, dor e sofrimentos”. Para ela, muitos direitos que demoraram anos para serem conquistados poderão ser extintos para que se mantenha um percentual grande de empregabilidade no Brasil. “Eu não acho que isso seja motivo de alegria para ninguém, mas é uma realidade que se impõe, é um período de transição, de adaptação. Nós não temos que defender o empregado ou empregador e sim que as pessoas tenham direito a trabalhar e se manter”, conclui.



Mundo pós pandemia terá alta de subemprego, recessão e transtornos mentais, prevê sociólogo da FESPSP

Por Lucas Brito

CONFIRA OS PROGNÓSTICOS DO SOCIÓLOGO PAULO SILVINO PARA O CENÁRIO APÓS A CRISE DO NOVO CORONAVÍRUS


Apesar de ser impossível prever os efeitos da pandemia da covid-19, o diretor da Organização Mundial da Saúde, Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, garante que o mundo não voltará a ser o que era antes e teremos que achar um ‘novo normal’, mais seguro, saudável e preparado. Diante disso, o sociólogo, pesquisador e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), Paulo Silvino, faz algumas especulações cabíveis sobre o mundo pós-pandêmico.

DESEMPREGO E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO

De acordo com uma pesquisa feita no início de abril pelo Datafolha, 76% dos brasileiros apoiam o isolamento social como forma de mitigar o coronavírus. Apesar da grande aceitabilidade, a ideia causa receio para aqueles que temem ser somados aos 12,3 milhões de desempregados, conforme dados do IBGE. Ainda que o Brasil possua leis que impeçam demissões em massa, Paulo diz que a inserção de jovens e atuais desempregados será mais lenta. Além disso, pontua que os subempregos irão aumentar. “Isso vai depender de cada país, uns — como nós — sentirão mais que outros”, afirma o especialista.

Outro fator que, de acordo com ele, poderá influenciar os dados de trabalhos precarizados será o home office. Em 2018, 3,8 milhões de brasileiros já produziam de casa. Esse número provavelmente será impulsionado e fará com que empresas tenham redução de custos, como vale transporte, água e luz. “O que veremos pode ser apenas a aceleração de um processo que já estava em curso: o trabalho em home. Porém, o que deve chamar atenção é como isso poderá implicar a precarização do trabalho, com salários menores e mais atividades”, analisa.

ECONOMIA

As previsões para o PIB de 2020 são preocupantes. Os economistas do Citibank preveem uma contração de 4,5% em relação a 2019 — antes a expectativa era de um crescimento de 1,7%.

Durante crises econômicas, lideranças se mobilizaram para que a recuperação fosse rápida e efetiva. O New Deal de Roosevelt ficou conhecido por suas medidas intervencionistas que resgataram a economia estadunidense no cenário após a crise de 1929. Segundo o professor, o governo atual, eleito com a bandeira liberal, “terá, ao menos, que rever seu conceito de liberalismo”.

Ele ainda ressalta que o executivo não necessariamente precisará instaurar o Estado de Bem-Estar Social, adotado por Roosevelt. “Temos uma ideia equivocada sobre a agenda de Bem-Estar Social. A ignorância e a natureza obtusa da análise de muitos faz uma relação direta entre esse sistema e o socialismo ou comunismo. Não se trata disso”, afirma.

SOLIDARIEDADE COM PRAZO DE VALIDADE?

Durante esse período é comum se deparar com gestos solidários. Na internet, circulam desde vizinhos que se prontificam a fazer as compras dos mais idosos até distribuição de refeições para moradores de rua. Para Paulo, pode se tratar apenas de uma onda momentânea. “Somos uma sociedade muito individualizada, e as questões coletivas ou do ‘outro’ nem sempre sensibilizam. Como temos recebido diuturnamente uma enxurrada de informações, podemos ficar mais sensibilizados. Penso que a ajuda também depende muito da classe social. E dos motivos que estimulam alguém a ajudar outras pessoas, com ou sem pandemia”, analisa.

SAÚDE MENTAL

A situação mental dos brasileiros já estava em crise antes mesmo da pandemia. Segundo a OMS, o Brasil leva o título de país mais depressivo da América Latina e o de mais ansioso do planeta. O confinamento, somado às incertezas do futuro, pode fazer com que esse quadro fique ainda pior. Paulo traz a hipótese de que esses gatilhos apenas ampliarão as doenças que de certa forma já nos acompanham. “Penso que as pessoas já são muito depressivas e ansiosas. A vida moderna tão intensa gera expectativas seguidas de frustrações. Isso leva as pessoas a comportamentos nocivos, pulsões de morte, consumismo exacerbado, uso demasiado de entorpecentes, e por aí vai. Não podemos acreditar que a pandemia em si trouxe um turbilhão de problemas para a saúde ou para a economia. Eles já estavam aí e foram ampliados”, reitera o sociólogo.

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