Os indígenas do Brasil pedem socorro contra a covid-19

A pandemia do covid-19 atingiu 110 povos indígenas. segundo a Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (APIB). Até ao dia 21 de junho registavam-se 7.208 indígenas infetados e 332 mortos. Por Rosa Gauditano.

Existem hoje no Brasil 305 etnias com aproximadamente 900 mil indígenas que falam 274 línguas diferentes. A pandemia do covid-19 atingiu 110 povos indígenas. segundo a Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (APIB). Até ao dia 21 de junho registavam-se 7.208 indígenas infetados e 332 mortos.

Atualmente, o epicentro da epidemia é a Amazónia Brasileira, onde 104 profissionais de saúde foram contaminados com a covid-19 (76 na Terra indígena Yanomami, mais 28 no estado do Amazonas). Na tribo Kokama, no rio Alto Solimões, 50 indígenas morreram.

No estado de Roraima, após a morte de um Yanomami, em abril, a Associação Hutukara Yanomami decidiu que eles deveriam se mover ainda mais para dentro da floresta para escapar da contaminação. Mesmo assim, mais 3 Yanomami morreram e 90 estão infetados, dos quais 60% contraíram o vírus na Casa de Saúde Indígena na capital Boa Vista e 32% na TI Yanomami. As terras Yanomami estão invadidas por mais de 20.000 garimpeiros de ouro.

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab Amazonia) divulgou que as Associações do Kanamari do Vale do Javari e Associação dos Matsés do Alto Jaquirama enviaram uma carta para autoridades denunciando e pedindo investigação sobre a proliferação do covid19 pelo exército brasileiro e Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) na Terra Indígena Vale do Javari, fronteira com Peru e Colômbia especialmente na calha Medio Rio Javari. Essa região tem 6 mil indígenas contactados e 16 povos isolados.



Mulheres pintando-se foto de Rosa Gauditano.

O The Intercept mostrou um vídeo divulgado no mês de abril e distribuído aos integrantes militares e civis onde o general do Exército Brasileiro Antônio Manuel de Barros, de 57 anos, fala para que seus comandos buscassem se contaminar incentivando o surto de coronavírus para “imunizar tropas” que trabalham em abrigos de refugiados da Venezuela na divisa do estado de Roraima. Os militares já eram 26% dos casos de covid19 no estado. O general Barros é o comandante militar da Operação Acolhida e substituiu o general Eduardo Pazuello, agora Ministro Interino da Saúde.

Na última conferência de imprensa do Governo Federal sobre covid19, o diretor da Secretaria Especial de Saúde Indígena, Robson Santos, relatou que a Operação Acolhida está trabalhando nos dois distritos Yanomami e Leste em Roraima.

Em Manaus, o caos é total. O Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) confirmou que muitos pacientes indígenas com outras doenças se contaminaram na Casa de Saúde Indígena, em hospitais estaduais e municipais e depois voltaram para suas aldeias…

Os hospitais da cidade de Manaus estavam com a sua capacidade máxima e agora a situação está mais crítica ainda no interior do Amazonas. O único hospital com UTI do interior do Amazonas fica na cidade de Tefé, situada a 522 km de Manaus.

A segunda região do Brasil mais atingida pelo covi19 é o Nordeste/ Minas Gerais/ Espírito Santo, onde os indígenas vivem nas regiões mais pobres, até agora com 21 mortos.



Funeral coletivo no cemitério de Nossa Senhora Aparecida. Foto de Alex Pazuello/Semcom.

Como está acontecendo no Brasil inteiro, os números sobre covid-19 estão subnotificados. Sonia Guajajara, presidente da APIB revela que “os números apurados pelo movimento indígena, quando comparados aos da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) revelam uma discrepância absurda. Além da negligência do Estado brasileiro, há um racismo institucionalizado".

O diretor da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) Robson Santos, afirmou na última conferência de imprensa que a letalidade dos indígenas aldeados é de 3,9% enquanto que a Articulação dos Povos Indígenas (APIB) confirma 9,7% de letalidade. A APIB faz tabulação de casos de todos os indígenas aldeados e não aldeados do Brasil.

O Brasil tem 34 Distritos Especiais de Saúde Indígena (DSEI), responsáveis pelo atendimento dos indígenas aldeados, mas 36% dos indígenas do Brasil vivem em área urbana e não são atendidos pelos DSEI e sim pelo Sistema Unificado de Saúde (SUS) onde os indígenas são geralmente discriminados.

A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) não está fazendo o seu trabalho como deveria. O órgão é atualmente chefiado pelo delegado Marcelo Xavier, que já trabalhou como assessor dos ruralistas na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Incra(1) e da Funai(2)

Marcelo Xavier, perguntado sobre o que o órgão está fazendo para defender os Yanomami do garimpo de ouro nas terras Yanomami, explicou que está monitorizando o garimpo com 28 barreiras sanitárias, ao invés de tirar o garimpo das terras Yanomami para defender os indígenas.

A falta de uma ação nacional no combate à pandemia do coronavírus pelo presidente Jair Bolsonaro atingiu os povos indígenas em todas as regiões de norte a sul do Brasil, agravando a dramática situação já existente. Neste último ano, 150 terras na Amazónia sofreram invasões de grileiros, madeireiros e garimpeiros, instigados pelo Governo Federal. Estão queimando florestas, assassinando lideranças e além disso o governo federal apoia que os missionários evangélicos catequizem a qualquer custo os indígenas.



Desflorestação em terra Yanoumami. Foto de Rosa Gauditano.

Há alguns dias, o povo brasileiro assistiu perplexo o vídeo liberado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de uma reunião do presidente Bolsonaro com seus ministros em Brasilia onde o ministro da Educação Abrahan Weintraub disse que odeia os Povos Indígenas e o ministro do Meio Ambiente Ricardo Sales falou sobre aproveitarem a situação da pandemia do coronavírus para aprovarem as reformas de desregulamentação e simplificação para mudarem as regras ambientais a favor dos mais poderosos.

No mês de maio, o Supremo Tribunal votaria o PL2633, que estabelece o chamado "Marco Temporal"(3) que limita as reivindicações indígenas, em vez de reconhecer suas demandas tradicionais ou históricas por terras. A decisão 001/2017 da Procuradoria Geral da República (AGU) é inconstitucional e está sendo usada para legalizar invasões, legitimar despejos e ocultar atos violentos que afetaram os povos indígenas antes da consagração da Constituição Federal de 1988. Se a decisão for contra os povos indígenas, o Brasil e o meio ambiente mundial serão diretamente afetados.

O juiz Edson Fachin adiou a votação por causa da pandemia, devido à pressão de povos indígenas e organizações de direitos humanos, até que o tribunal possa fazer julgamentos presenciais.
Apesar de tudo isso, os indígenas brasileiros nunca estiveram tão organizados. Em maio, a APIB realizou uma grande Assembleia Nacional de Resistência Indígena on-line para tratar de assuntos como os diagnósticos regionais sobre o covid-19 nas aldeias.

Acostumados a lutar pelos seus direitos há 520 anos, os indígenas estão se unindo para encontrar novos caminhos e exigirem melhores condições de assistência à saúde, defesa de suas terras e do meio ambiente.

Yanomami com beija-flor. Foto de Rosa Gauditano.


Rosa Gauditano é fotógrafa, jornalista e ativista. Ela tem documentado os povos indígenas das mais variadas etnias e regiões do Brasil há mais de 30 anos. Rosa já fotografou as comunidades de índios Karajá, Kayapó, Tucano, Waurá, Yanomami, Xavante, Guarani e Pankarau. Em 2004, em parceria com indígenas Xavante, criou a organização não governamental Nossa Tribo, dedicada a fazer uma ponte entre as cidades e aldeias indígenas. Ensinou Fotografia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e trabalhou para o jornal Folha de S. Paulo e revista Veja.
 É autora dos livros : Índios. Os Primeiros Habitantes, Raízes do Povo Xavante, Festas de Fé, Guarani M’Byá na Cidade de São Paulo e Povos Indígenas no Brasil.




Notas:
1) Instituto Nacional de Assentamento e Reforma Agrária.
2)Em 2017, o inquérito parlamentar presidido pelo Farmers 'Caucus teve como objetivo processar antropólogos, povos indígenas, funcionários da Funai e do Incra e membros do executivo, além de ONGs. A ideia era encerrar a Funai, interromper a reforma agrária e alterar os critérios de demarcação de terras para povos indígenas e antigas comunidades escravas (quilombola).
3)Marco Temporal - “Limite de tempo”. A ideia do projeto de lei é estabelecer que as reivindicações indígenas por terras só seriam reconhecidas por lei se os indígenas estivessem ocupando aquele pedaço de terra em 1988, ano em que a atual Constituição Brasileira foi consagrada.



Doações para compra de comida e material de proteção contra a covid-19:
Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro, Amazonas
Zagaia Association - www.amazonzagaia.com.br
Bradesco Bank
Branch:3142
Account N.: 26585-3
CNPJ: 10.189.868/0001-35

Guarani Kaiowá, Mato Grosso do Sul
Liderança Elizeu Pereira Lopes Guarani Kaiowá
Banco do Brasil
Agência: 0743-9
Conta Corrente: 55889-3
CPF: 847.386.501-49

Povo Fulniô de Pernambuco:
Cacique Itamar de Araújo Severo
Banco Bradesco
Agência : 6036-4
Conta corrente: 0103358-1
Tipo:00
CPF: 046.219.084-64

FEPOINCE (Federação dos Povos Indígenas do Ceará)
Bank: Caixa Economica Federal
Branch: 0919- OP003.
Account n.: 5489-6
CNPJ: 34.816.161/0001-70

Foirn (Federação Indígena do Rio Negro), Alto Amazonas)
Banco do Brasil
Agência : 1136-3
Conta Corrente: 17563-3
CNPJ: 05543350/0001-18
Código Swift :BRASBRRJBHE
IBAN: BR7800000000011360000019356C1
Whatsap : +55 97 981044598



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