Bolsonaro sonha com plano secreto de Olavo de Carvalho e Carluxo

DE: CAIO BARROS

Olavo de Carvalho e Carluxo rascunham um plano de golpe anônimo contra o presidente e o fazem chegar ao general Heleno por meio da Abin. O senil se alarma e convoca reunião imediata para apresentar o borrão a Bolsonaro que, ao associar a autoria do plano aos mandantes de Adélio, chega à conclusão: “nossa bandeira jamais será vermelha!”. Carluxo decifra a senha do pai e bota os robôs para trabalharem hashtag que chega ao trending topics do twitter em minutos. Damares, com verba do ministério, aluga Sara Winter e compra milhares de barracas chinesas da Havan, organizando acampamentos dos 300 para tomarem as ruas das cidades contra a invasão do satanás. Allan do Santos faz live com Paulo Cintura instigando soldados e cabos a protegerem a nação do STF. Onyx e o marido de Zambeli reeditam a política de Moro e mobilizam motins de PMs nos estados. Carreata de bolsonaristas armados atiram a esmo, Felipe Martins tuíta código morse e bananinha, com nova foto de perfil, agora com máscara da bandeira americana, republica o vídeo das hienas. Bolsonaro então edita decreto de Estado de Sítio e o submete ao Congresso. Aí acorda.

Não é difícil imaginar que Bolsonaro sonhe com uma espécie de Plano Cohen para justificar um autogolpe. Em 1937, um ardil de Getúlio com militares levou ao golpe que deu origem ao Estado Novo, que fechou o Congresso, aboliu partidos e outorgou aos trabalhadores direitos que nunca lhes seriam concedidos por um arremedo de democracia liberal dominada por uma elite escravocrata. O estopim do golpe que instaurou um regime autoritário em relação a direitos individuais, mas democrático em relação a direitos sociais, e que durou até o fim da Segunda Guerra Mundial, foi o tal Plano Cohen, uma velhacaria arquitetada pelo militar Olímpio Mourão, que, curiosamente, viria a dar a largada decisiva que levou ao golpe de 64, retomando de Minas Gerais a marcha golpista iniciada em ainda em 1932 em São Paulo.

O documento consistia em uma fake news avant la lettre contendo um plano de tomada de poder pelos comunistas. O Plano pode ter justificado o golpe, mas não haveria golpe sem condições concretas para tanto. Com a Intentona Comunista, uma fracassada tentativa de golpe supervisionada por Moscou contra o governo democrático no ano de 1935, Getúlio passou praticamente todo o ano de 36 governando com amplos poderes concedidos por um Congresso conservador e medroso, que renovava o Estado de Sítio a cada solicitação do presidente. A polarização política entre comunistas e integralistas já vinha resultando em cadáveres, como o episódio de Campos, no Rio, em que choques entre antagonistas políticos levaram a 13 mortes em agosto de 37. Em um contexto de medo e radicalização, Getúlio jogou integralistas contra comunistas e, com o suporte da maioria das forças armadas, a partir de prévio mapeamento e neutralização dos comandos recalcitrantes nos Estados, outorgou a Polaca.

Maquiavel, nos Discursos sobre Tito Lívio, esboçara uma comparação entre diferentes legados para diferentes líderes que nos servirá para dispensar o gasto de tinta contrastando o estadista e o fariseu: “um propicia dignidade e segurança aos cidadãos e, após sua morte, os torna altivos e honrados; o outro faz com que os cidadãos vivam em contínua ansiedade e, após sua morte, deixa para trás um legado de eterna infâmia”. Veja o povo na rua no dia da morte de Getúlio. Passe para a imagem de Mussolini morto pelo povo… Mas, mais importante, são as condições concretas. Se compararmos os golpes de 37 e 64 veremos uma série de elementos, para além de crises econômicas, que propiciam rupturas democráticas. Exemplos: contexto internacional; radicalização política entre grupos igualmente poderosos; clara ameaça de subversão da ordem por parte de grupos hostis às elites; Congresso dócil ao presidente ou completamente dividido, forças armadas infiltradas por elementos que ameaçam a hierarquia e a disciplina e opinião pública radicalmente dividida e ansiosa.

Ao despertar do sonho do Plano Cohen, Bolsonaro acorda em 2020, e se enxerga cada vez menor no espelho. Em relação ao contexto externo, não estamos no auge da ascensão de regimes totalitários, como nos anos 30, nem em um contexto de Guerra Fria, em que revoluções ou contrarrevoluções pipocavam no mundo inteiro, como em 1964. Um golpe no Brasil hoje nos transformaria em pária internacional, sujeito a sanções vindas de todos os continentes, afastando o baronato da trama, concretizando enfim o esforço empreendido por Ernesto Araújo, o beato Salu. Inexiste também uma oposição disposta a tomar o poder nas armas, como os comunistas em 35, ou um grupo político forte e popular querendo empurrar reformas estruturantes no país “na lei ou na marra”, como nas Reformas de Base. A oposição a Bolsonaro hoje vem da extrema direita e atende pelo nome de Sérgio Moro. A esquerda, em frangalhos, desmoralizada, minoritária no Congresso, queimada na opinião pública, bloqueada nas quebradas, mais perdida que cachorro que caiu da mudança, não consegue sair o identitarismo broxa, nem do fantasma lulopetista. Ademais, Lula foi completamente neutralizado pela Lava Jato e o exército de Stédile fez água. Assim, é impossível a Bolsonaro inventar um inimigo minimamente ameaçador que assuste a classe média, o baronato e as forças armadas.

Por falar em forças armadas, Bolsonaro pode controlar as vivandeiras de pantufa e fazer a cabeça de recrutas, mas o oficialato teme ser tragado pela instabilidade alimentada pelo presidente e, com isso, assistir à destruição da credibilidade da instituição. Quanto ao Congresso, alguém consegue imaginar uma maioria absoluta de parlamentares aprovando um decreto de estado de sítio editado por Bolsonaro? Bolsonaro está saindo com o centrão porque lhe paga, mas isso está longe de ser namoro. O Bolsonarismo não levou 15% de cadeiras da Câmara e qualquer medida relacionada a estados emergenciais, que dariam maiores poderes ao presidente, como Estado de Sítio, Estado de Defesa e Intervenção Federal, precisam passar pelo Congresso. Até a não renovação da concessão da Globo precisa de 2/5 do Plenário. No STF, a ojeriza ao bolsonarismo é unânime e metade da escória citada no primeiro parágrafo deste texto puxará cadeia a partir da conclusão do inquérito das Fake News. As demonstrações dominicais da turma do presidente aboletam um gado pingado na Praça dos Três Poderes. Não lota uma carroça. Por isso precisam da radicalização progressiva, chamando atenção para se mostrarem mais fortes que de fato são. Bolsonaro pode até sonhar com a saída de um novo Plano Cohen, mas acordará cercado de mentecaptos traçando táticas de sobrevivência até a semana seguinte, após mais um gráfico das pesquisas mostrarem a lenta, mas consistente, abertura da boca do jacaré (que revela diminuição de seu apoio e aumento de sua rejeição), que finalmente o abocanhará.



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