Fotos: Marcelo Camargo/Agência Brasil e reprodução de vídeo |
Jair está subindo no telhado?
por Eliara Santana*
Há alguns movimentos midiáticos interessantes neste final da semana – de sexta a domingo – que reforçaram uma sensação de que o gato pode estar subindo no telhado (o que não significa necessariamente impeachment para o gato, talvez outros desdobramentos)…
Edição do JN
A edição de ontem do Jornal Nacional, trouxe Bonner e Renata no sábado para dimensionarem a tragédia que o país está vivendo:
“Os números oficiais da pandemia no Brasil voltaram a exibir com crueza uma tragédia da saúde pública no Brasil. Desde a primeira morte por Covid-19 no país passaram-se exatos 53 dias até que o número oficial de óbitos ultrapassasse a marca triste dos 10 mil. Foi sábado passado. Mas para que esse número subisse 50%, bastou uma única semana. Um salto de 50% em sete dias.Fiz essas marcações na abertura da matéria do JN para observarmos como o jornal está dimensionando essa tragédia – são vidas de brasileiros, não são números; e os dados que hoje mostram o tamanho da tragédia são “oficiais”, ou seja, quando Bonner ressalta, por duas vezes, que os números são os oficiais, leva a inferir que há números não oficiais, ou seja, leva a inferir que a subnotificação é uma realidade.
Na véspera de a primeira morte completar dois meses, o Ministério da Saúde registrou hoje exatas 15.633 vidas perdidas para o coronavírus. 816 só nas últimas 24 horas. E o número de casos confirmados chegou a 233.142 . Ou seja, o número oficial de brasileiros contaminados, oficial, ultrapassou o de italianos e o de espanhóis. E o Brasil se torna o 4º país do mundo em número de infectados pelo coronavírus”.
Leva essa “certeza” ao espectador. E mesmo assim, apenas com números “oficiais”, já ultrapassamos Itália e Espanha – cujas tragédias com a Covid foram amplamente divulgadas. Além disso, ao reforçar a marca temporal, o tempo decorrido desde a primeira morte, a fala inicial de Bonner ressalta o avanço frenético do vírus no país, ou seja, não está havendo controle.
Além disso, há outros pontos interessantes na edição, em linhas gerais:
1.Ignora a figura de Jair Bolsonaro, reportando somente o desenrolar dos problemas já citados (como ao repercutir a fala do GSI repudiando a reportagem anterior do JN sobre as nomeações feitas por Bolsonaro e a nomeação de deputados do Centrão).
Cada vez mais, “presidente Bolsonaro” se torna “Bolsonaro” nas matérias do JN.
2.Nas matérias sobre Covid, o JN mostra-se a serviço da população (dimensiona o drama, mas busca solução junto às secretarias – a Secretaria tal informa ao JN que seu Joaquim obteve uma vaga) e solidário com sua dor (abriu a edição falando de vidas de brasileiros e fechou homenageando as vítimas);
3.Inseriu o tema “impeachment”, assim, como quem não quer nada, ao noticiar brevemente que o ministro Celso de Mello determinou que Bolsonaro seja comunicado de uma ação sobre impeachment – Um grupo de advogados recorreu ao STF para que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, avalie a denúncia por crime de responsabilidade contra o presidente da República.
Debate com governadores na GloboNews
No sábado, a GloboNews fez um extenso debate com os governadores – João Dória (SP), Flávio Dino (Maranhão), Zema (MG), Rui Costa (Bahia) e Audemiro (Roraima), contemplando quase todas as regiões.
Foi uma roda de entrevistas, com Gerson Camarotti, Cristiana Lobo, Gabeira, Miriam Leitão como entrevistadores, além da apresentadora. As perguntas foram muito bem conduzidas, mas o debate/entrevista em si não é a novidade.
O inédito na iniciativa é reunir para discutir a situação da pandemia no país o pólo – governadores – que está sendo abertamente espezinhado por Jair e, nas perguntas, explicitar isso claramente, deixando os governadores explicitarem suas críticas e condutas, com espaço até para Miriam Leitão cutucar Doria pelo apoio dado a Bolsonaro, lembrando o “Bolsodoria”.
PF avisa a Flávio Bolsonaro que Queiroz seria alvo – Folha de São Paulo
Excelente entrevista feita por Monica Bergamo com Paulo Marinho, ex-aliado de Bolsonaro, que conta em detalhes que a PF avisou Flávio Bolsonaro, o filho 01, de que Queiroz seria investigado, orientando a família a demiti-lo.
Marinho foi um importante aliado de Bolsonaro na eleição de 2018.
Pelo que Marinho contou, a família ficou sabendo com antecedência que a operação Furna da Onça seria deflagrada, e foi avisada no intervalo entre o primeiro e o segundo turnos da eleição de 2018.
Flávio foi avisado por um delegado da PF simpatizante de Bolsonaro.
Segundo Reinaldo Azevedo, Ramagem, o preferido de Bolsonaro para comandar a PF, era o delegado da operação que originou a Furna da Onça…
O assunto tem também uma ótima repercussão no Fantástico, o que sinaliza que o JN não deve deixar o tema morrer.
É interessante relembrar também que a primeira vez em que a mídia tentou enquadrar Bolsonaro foi com essa temática geral – as rachadinhas no gabinete de Flávio (que tiveram grande espaço nas edições do JN).
Aparentemente um assunto “corriqueiro” de corrupção, ele é uma ponta do novelo que leva a questões importantes no Rio de Janeiro. Por isso deixa o senador tão abalado…
O desgoverno exposto no Estadão
No sábado, a capa do Estadão traz um DESGOVERNADO em letras garrafais, falando de mais uma troca de ministros.
Expõe a obsessão de Bolsonaro pela cloroquina e afirma que Teich rejeitou a opção pela morte, ao contrário de Jair, que “já fez sua mórbida opção”. Isso depois de publicar, há alguns dias, artigo do vice Mourão dando algumas enquadradas, chamando à governança e sem mencionar o nome Bolsonaro uma única vez.
Sobre o vice, é interessante observarmos também como a mídia deu repercussão à iniciativa dele de expor o assunto “suspeita de ter contraído Covid”: ele prontamente anunciou que teve contato com um servidor que manifestou a doença, logo fez os exames e se colocou em isolamento.
O resultado – negativo – já saiu e ele já o tornou público.
Discursiva e simbolicamente, para nos mostrarmos em oposição aos atos e ações de determinados sujeitos, nem sempre precisamos mencioná-los…
Todos esses movimentos somados dimensionam dificuldades grandes para Jair – dando início à semana em que Celso de Melo vai decidir sobre a divulgação ou não do video da reunião ministerial de 22 de abril na íntegra.
Mas não só. Outros atos coordenados já ocorreram em outros momentos.
Mas esses de agora sinalizam um “abandono de barco” mais sistemático, de antigos aliados, ou seja, não é possível apenas simplesmente ignorar Jair como se ele não existisse, porque ele está se colocando mais e mais em evidência pelos atos insanos em meio a uma pandemia – e, assim, todos os liberais afundam.
Mesmo que ele já tenha aprontado muito e gerado apenas notas e mais notas de repúdio, creio que essa “orquestração midiática” – como foi com Collor, como foi com Dilma – é sinalizadora de um porvir que não é satisfatório para Jair. Aguardemos quietinhos em casa.
*Eliara Santana é jornalista e doutoranda em Estudos Linguísticos pela PUC Minas/Capes.
Viomundo