O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, perseguido, segue fazendo sua história de resistência e luta. Durante a pandemia, o movimento mostra empatia e ajuda a matar a fome do povo

Por Lelê Teles


Foto: Daiane Prado

A palavra fome foi introduzida no vocabulário acadêmico mundial pelo intelectual pernambucano Josué de Castro, substituindo o eufemismo subnutrição. A fome também foi introduzida no vocabulário político global por meio de outro pernambucano, Luiz Inácio Lula da Silva. A preocupação de ambos não era apenas a fome que matava as pessoas, mas como matar a fome das pessoas.

E Lula foi lá e fez. Durante o período que o PT presidiu o país, mais de 40 milhões de pessoas deixaram a miséria, cisternas encheram de água e esperança a vida dos sertanejos do semiárido, a luz chegou aos lugares remotos onde só havia trevas, o brasileiro mais humilde, como gostava de salientar o ex-presidente, passou a fazer três refeições por dia.


A capa da revista Istoé do ano de 2010 registrava o resultado desses tempos em uma foto cheia de sorrisos sob uma manchete histórica: “Nunca fomos tão felizes”.


Mas, como diz o adágio, alegria de pobre dura pouco. Os tempos voltaram a ser trevosos e miliciânicos. Com a direita no poder, a cada dia o povo perde mais e mais direitos, o subemprego virou uma regra, o governo federal desinveste em áreas sensíveis ao povo mais pobre, não há mais proteção social, o desemprego humilha pais de famílias e muita gente voltou à situação de pobreza e de miséria.


Com a pandemia, iniciou-se um pandemônio. O que já era ruim ficou péssimo, o desemprego aumentou, a dignidade de pais e mães de famílias foi ao solo, desapareceu aquele brilho de esperança em dias melhores, a enfermidade e a morte assombram os que precisam sair de casa para ir ao trabalho, falta dinheiro no bolso e falta comida na mesa.

Em resumo, a fome está de volta.


E ela não é o resultado de fenômenos climáticos, nem da falta de áreas de cultivo para alimentar o povo, nem da escassez hídrica; ela é uma decisão política, ou para ser mais preciso, necropolítica, que é a cara mais desaforada e mais desavergonhada da política anti-povo, um projeto de domínio e de poder que escolhe quem deve viver e quem deve morrer. Quem não morre de tiro ou de doença, morre de fome.

Nos últimos anos, temos assistido o desmonte das políticas da reforma agrária, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Ou seja, está sendo implementado um projeto de governo que impede que alimentos saudáveis cheguem às nossas crianças nas escolas e também às famílias, o que aprofunda ainda mais a ameaça da fome sobre as populações vulneráveis. Temos, neste momento, mais de 12 milhões de pessoas desempregadas.

Por isso, comer é, também, um ato político. E o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem travado esse embate político às margens da cobertura midiática empresarial. Um trabalho silencioso para grande parte dos brasileiros que comem todos os dias, mas um estrondoso gesto de amor ao próximo sentido por todos aqueles que sentem falta de comida à mesa.

“É preciso reumanizar a humanidade”, disse Lula, nesta sexta-feira(04), em live da Fórum. E o MST humaniza. Para se ter uma ideia, durante a pandemia, mais de 3 mil toneladas de alimentos foram doadas para as pessoas que mais necessitam; alimentos saídos de hortas sem agrotóxicos, plantados e colhidos não para encherem o bolso de alguns poucos, mas para matar a fome de muitos.

É comida saudável, e de graça, na mesa dos brasileiros e brasileiras que se sentem abandonados pelos governos, desassistidos em suas necessidades mais básicas, desumanizados pelos desumanos que os governam.

MST doa 430 toneladas de alimentos no Paraná durante a pandemia


No Paraná, 15 hortas comunitárias e centros de produção de alimentos saudáveis foram inauguradas em acampamentos do MST. O que reforça e fortalece as ações de solidariedade. Há quatro meses, agricultores e agricultoras das comunidades Mãe dos Pobres e Terra Livre, em Clivelândia, sudoeste do Paraná, trabalham nas hortas orgânicas cultivando repolho, alface, brócolis, cenoura, beterraba e temperos. Alimentos que, depois de colhidos, são entregues gratuitamente em lugares como lares de idosos e famílias empobrecidas nos bairros urbanos da região.

Tem sido assim em todo o país.



A integrante da direção estadual do MST e acampada em Clevelândia, Bruna Zimpel, resume: “Tem sido um processo riquíssimo em que as famílias se reúnem para produzir, com objetivo específico de doar, mas, para além disso, compartilham conhecimento, mudas e sementes. No final, nosso sentimento é de muito orgulho de poder, de forma coletiva, produzir alimentos de qualidade para doação”.

E muitas dessas famílias de trabalhadores e trabalhadoras que estão plantando, colhendo e doando, cultivam hortas em acampamentos, terras que ainda não foram regularizadas e que não possuem incentivos públicos para a produção.

É preciso reconhecer que 70% da comida que chega à mesa dos brasileiros provem da agricultura familiar. É preciso valorizar quem trabalha no campo e produz comida para alimentar o povo, e é preciso valorizar, sobretudo, as iniciativas do MST que respeitam a natureza, promove, a agroecologia, incentivam o replantio de árvores para regenerar nascentes e fortalecer o leito dos rios e córregos, e que cultivam alimentos sem veneno.

Para se ter uma ideia, só no Paraná, são milhares de sacolas e kits que estão sendo doadas, com grãos, frutas, legumes, verduras, mel, ovos, pães, leite, macarrão caseiro, além de álcool em gel e sabão caseiro. Tudo isso vai direto para as periferias, para as ocupações urbanas, os hospitais públicos e Santas Casas, além de asilos, associações de moradores e de catadores, abrigos, pessoas em situação de rua e comunidade indígena.



Além disso, mais de 12.600 marmitas já foram distribuídas gratuitamente para pessoas em situação de rua, trabalhadores de aplicativos e moradores/as de bairros da periferia de Curitiba e Região Metropolitana. Cerca de 700 marmitas são doadas todas as quartas-feiras, a partir de produtos vindos principalmente de áreas da Reforma Agrária e da Agricultura Familiar.

Na próxima semana, 5 mil quentinhas serão distribuídas como parte do Gritos dos Excluídos, quem traz como tema “Vida em primeiro lugar: Basta de miséria, preconceito e repressão! Queremos terra, trabalho, teto e participação”.

Até o final de agosto, as ações de solidariedade do MST no estado tiveram participação de 52 acampamentos e 120 assentamentos, além de pelo menos 20 comunidades e unidades de produção da Agricultura Familiar, cooperativas da Reforma Agrária e sindicatos de trabalhadores rurais.

Foto: Joka Madruga / Terra Sem Males

Mas é bom que se saiba, no campo, por mais paradoxal que possa ser, também há fome. Mas o governo Bolsonaro, ao mesmo tempo em que favorece o agronegócio, com a Medida Provisória (MP) 897, chamada “Lei do Agro”, criando facilidades para o acesso a crédito e financiamento de dívidas de grandes produtores rurais, sufoca o pequeno agricultor, vetando a maior parte dos pontos do Projeto de Lei 735, que socorre agricultores familiares durante a pandemia.

Revista Fórum

(continua depois desta inserção)


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