Por José Carlos de Assis

Abertura

ELEMENTOS DE UM PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO EM TEMPO DE CRISE

Esse exercício destinado a sinalizar um Plano de Desenvolvimento para o Brasil, elaborado por um cidadão do setor privado angustiado com a ausência de uma iniciativa governamental similar nesse sentido, a despeito das imensas exigências do tempo histórico em que vivemos – crises social, econômica, política e sanitária -, reflete minha experiência pessoal em planejamento estratégico, trazida da Coppe-RJ com meus colegas Carlos Cosenza e Luiz Pingueli Rosa. É um exercício, mas pode ser aplicado imediatamente, dadas as urgências históricas colocadas para literalmente toda a sociedade brasileira.

Há décadas perdemos a perspectiva dos planos de desenvolvimento governamentais. Os dois realizados nas décadas de 70 e 80 tiveram efeito inequivocamente espetacular. Entretanto, bombardeado pelos ideólogos neoliberais contrários às funções desenvolvimentistas do Estado, o conceito praticamente desapareceu da formulação de governo. Isso, em parte, se deveu também à rejeição do Estado em sentido amplo por causa da ditadura, da tortura e da repressão política. Entretanto, se os líderes da abertura tivessem sido mais sábios, separavam da ação do Estado a parte política da parte econômica, valorizando devidamente esta última.

O fato é que não tivemos Plano de Desenvolvimento Econômico desde o último governo militar, comandado pelo general João Figueiredo. Este, e seus sucessores posteriores, foram atropelados pela crise da dívida externa. E em lugar de declarar uma moratória soberana, para recuperar sua capacidade de pagamento, os governos decidiram tentar pagar de qualquer forma a dívida, para, a partir daí, sustentar os pagamentos externos. A dívida, em si, foi equacionada em 1994. Seus efeitos, porém, seriam estendidos até o governo Lula, quando superávits espetaculares de nossas reservas eliminaram circunstancialmente a crise externa.

Agora estamos voltando rapidamente à crise externa pelas mãos do presidente Bolsonaro e de seu ministro plenipotenciário da Economia, Paulo Guedes. As reservas estão sendo esgotadas em razão de uma política econômica suicida, que está estrangulando a produção industrial e de serviços doméstica. É isso que aponta a necessidade de um Plano Nacional de Desenvolvimento, pelo menos no plano conceitual. É o que faço. Dadas a urgência, os pontos iniciais prioritários dizem respeito ao combate à pandemia do coronavírus, assim como ao arranjo da administração que é necessário articular contra os ataques do governo.

Para enfrentar a pandemia com eficácia é fundamental um New Deal brasileiro, entendido como um plano no qual o Estado investe pesadamente em todas as áreas, promovendo a demanda agregada e o emprego. Temos os fundamentos teóricos para fazer isso sem inflação: é a teoria de Finanças Funcionais de Aba Lerner, também conhecida como Teoria Monetária Moderna, hoje popular entre muitos scollars norte-americanos. Por outro lado, é fundamental liquidar com a imposição da União de dívidas dos Estados federados, reconhecendo sua nulidade e promovendo a restituição do que foi pago indevidamente desde 1999.

O que o Governo central deverá devolver e pagar aos Estados (neste caso, pela Lei Kandir) soma mais de um trilhão de reais. Isso assegura um Plano Nacional de Desenvolvimento Fantástico, um New Deal como disse, a partir de baixo para cima, na medida em que os Estados usem esse dinheiro para seus planos igualmente prioritários de educação, saúde, segurança e moradia, principalmente. Com isso, estarão sendo estabelecidas as bases profundas de uma retomada do desenvolvimento e emprego brasileiro. Neste acaso, nossa proposta concreta é o Projeto Cidade Cidadã, direcionado para favelas, que também é apresentado abaixo.

Rio de Janeiro, 16 de maio de 2020.

Capítulo I

A CRISE DA DÍVIDA E DA PANDEMIA NOS ESTADOS

Endividamento imposto pela União e manipulação financeira da pandemia

Antecedentes

Este trabalho, desenvolvido ao longo de três anos, tinha como foco exclusivo a dívida dos Estados junto à União, que a nosso ver se reverteram em créditos. Em seguida, tratou de créditos dos Estados, também junto à União, por conta de compromissos financeiros certos e definidos relativos a ressarcimento de recursos relacionados com a isenção de ICMS, pertencente aos Estados, no processo de aplicação da Lei Kandir. Essas relações se desenvolveram desde 1999. Paradoxalmente, os governadores não reclamaram seus créditos.

A dívida original aqui analisada, paga pelos Estados em diferentes datas desde 1999 e estimada atualmente em cerca de R$ 540 bilhões, é, tecnicamente, uma dívida nula. Ela decorreu de compromissos federais com o FMI para vender ou liquidar os bancos comerciais estaduais, num dos episódios mais clamorosos de centralização bancária ocorridos no país. Para viabilizar a privatização o Governo obrigou os Estados a concentrar suas dívidas mobiliárias em bancos privados, e, de forma totalmente irregular, pagou essas dívidas com títulos públicos federais transferindo o passivo “inventado” para os Estados.

Desenvolvimento

A irregularidade dessa criação das dívidas estaduais pode ser avaliada mesmo em termos intuitivos. O pagamento da dívida mobiliária dos bancos estaduais em títulos públicos federais deveria simplesmente quitá-la para todo e sempre. Os títulos federais são passivo de toda a sociedade, inclusive dos Estados, e funcionam como moeda. Uma vez usados para pagar as dívidas estaduais, não poderia haver um novo pagamento, bis in ibidem, imposto aos Estados sobre a mesma dívida. Como mencionado, descobri essa anomalia em 2017, do que resultou meu livro “Acerto de Contas. A dívida nula dos Estados”, Editora MECS.

Já nessa altura eu acreditava que não se tratava mais de apenas anular a dívida, mas de ressarcir aos Estados o que foi indevidamente cobrado. Isso equivalia a aproximadamente R$ 400 bilhões para o conjunto dos Estados, pagos ao longo dos anos, sendo que, para surpresa, o saldo remanescente arbitrado era da ordem ainda maior, de R$ 540 bilhões. Uma carga de pagamentos dessa ordem, acrescentado dos maiores juros do mercado, explica em grande parte a deficiência de recursos dos governos estaduais para investimentos de infraestrutura em saúde, educação, segurança e moradia.

Esperava que houvesse uma corrida dos governos estaduais endividados aos caixas do Governo federal para ver esse crédito. Entretanto, não houve. Suponho que, nos níveis técnicos estaduais, não existia ou existe pessoal especializado para enfrentar essas questões, sobretudo tendo em vista a arrogância dos funcionários federais que certamente reagiriam a uma revisão dessas contas. Tentei apresentar o projeto ao Consórcio dos Estados do Nordeste, mas também isso não funcionou. Tentei apresentá-lo a governos individualmente, mas nada. Tentei mobilizar funcionários estaduais para defenderem a tese, mas também não funcionou.

Está nas mãos de V. Exa. reparar essa grande injustiça contra os Estados e seus cidadãos espoliados. Entretanto, creio que já passou por suas mãos processos relativos ao ressarcimento por isenções de tributos estaduais. É o momento de reparar essa outra injustiça, esta derivada sobretudo de imposições descabidas dos funcionários federais aproveitando-se até mesmo da pandemia para estrangular os Estados. A Lei Kandir se origina no governo Collor para, supostamente, estimular as exportações de produtos primários. Como tratou de redução de impostos estaduais, previa que os governos estaduais seriam ressarcidos da redução.

O Governo Federal simplesmente renegou a Lei Kandir sem eliminá-la. Com isso, pagou apenas parcelas insignificantes do ressarcimento, esmagando uma base de recursos fundamental para os Estados. Hoje, o acúmulo da dívida da União por conta da Lei Kandir alcança algo como R$ 538 bilhões, de acordo com criterioso levantamento da Febrafite-Federação Brasileira de Fiscais de Tributos Estaduais. Somando isso ao ressarcimento pelo que foi pago nos negociações da dívida imposta a partir de 1999, constatamos que um crédito líquido e certo dos Estados junto à União alcança mais de R$ 1 trilhão 380 bilhões.

Em lugar de pagar, a União quer cobrar mais. E onde concorda relutantemente em dar algum dinheiro para os Estados, como no caso dos recursos que V.Exa. está conseguindo para bancar investimentos no período pós-pandemia, acrescenta exigências intoleráveis, impostas de forma autoritária e oportunista, neste caso se aproveitando da própria pandemia para ameaçar com um ajuste fiscal que, conforme exposto adiante, não só seria desnecessário como reverteria numa recessão ainda mais profunda da economia brasileira.

É certo que R$ 1 trilhão de reais aparenta ser muito dinheiro. Entretanto, somos 27 Estados e Distrito Federal, com direito a quantias que representariam uma fração do total. Além disso, somos 210 milhões de habitantes, vivendo em Estados e Municípios, usando sua infraestrutura de saúde, educação, segurança, moradia etc. Entretanto, mais importante que isso, é que o Tesouro não precisa de efetivamente gastar dinheiro resultante de tributos. Ele precisa apenas de emitir dinheiro eletrônico, depositado nas contas de todos os agentes que compram bens e serviços da União, e que precisam desse dinheiro da União para pagar impostos.

O fato é que nenhum país que tenha passado por recessão profunda, especialmente antes da onda neoliberal, saiu dessa situação gastando recursos tributários. Essa é a essência da Teoria Monetária Moderna, que se define por um aforismo simples: “Um estado que emite sua própria moeda não tem restrição financeira até o esgotamento de sua capacidade ociosa provocada pela recessão”. E dado que a economia parte de uma situação de recessão, não há, até o esgotamento da capacidade ociosa, risco de recessão. Além disso, se o aumento da capacidade gerar inflação, pode-se simplesmente aumentar os impostos.

Tivemos no Brasil há pouco tempo a visita de L. Randall Wray, uma das maiores autoridades do mundo em Teoria Moderna Moderna. Ligado ao Levy Institute de Nova Iorque, escreveu um livro seminal, que traduzi para o portuguesa sob o título “Trabalho e Moeda hoje”. Ele se baseia na teoria de Finanças Funcionais de Aba Lerner, que por sua vez se tornou o fundamento de políticas keynesianas de combate a recessões e depressões. O mundo, inclusive Europa Ocidental e Brasil, não precisaria passar por períodos tão prolongados de recessão se tivessem adotado essas teorias.

Antes de isso estar formalizado em teoria, o presidente Roosevelt, nos Estados Unidos, venceu a depressão dos anos 30 a partir de gastos públicos sem cobertura tributária, ou seja, déficits orçamentários. O mesmo aconteceu recentemente com o presidente Obama: ele usou déficits orçamentários, no momento de US$ 7,5 trilhões no decorrer dos anos de 2009 a 2014, para reverter a depressão de 2008. O que a economia norte-americana aproveitou de Trump, mas a ação anterior.

Penso que está bem assentada a possibilidade de retomada da economia pagando R$ 1 trilhão aos Estados, sem inflação. O Congresso pode aprovar, juntamente com esse crédito, um programa equilibrado de gastos pelos Estados, em tranches, por exemplo, de R$ 250 bilhões por ano. Além disso, para não haver uma distribuição legal de recursos em detrimento dos Estados mais pobres, de forma linear, mas injusta, o Congresso, que tem poder para isso, pode determinar uma elevação proporcional das receitas desses Estado de forma compensatória.

Creio que este projeto prova com evidências definitivas que o débito do Governo federal junto aos Estados, em lugar de desequilibrar o Tesouro, pode-se tornar uma poderosa alavanca para retomar a economia e recuperar a receita fiscal depois da epidemia do coronavírus. Se forem razoáveis, os funcionários do Tesouro entenderão essas relações e concordarão com seus fundamentos. Caso isso não aconteça, o Congresso pode convocar uma conferência urgente para estudar o assunto. Para isso, desde já, me ofereço para participar, junto com minha equipe, esperando contar também com a crítica do Instituto Fiscal Independente.

Anexo I

O USO OPORTUNISTA DA PANDEMIA PARA ESTRANGULAR A FEDERAÇÃO

O padrão de estrangulamento financeiro dos Estados por parte da União não arrefeceu com a crise do coronavírus. Ao contrário, aprofundou-se. Embora aceitando de forma relutante o aumento para R$ 60 bilhões de uma entrega de recursos aos Estados pelo Governo federal, supostamente para aliviar os efeitos da pandemia, a lei correspondente não caracteriza recursos livres, mas financiamento. No período de suspensão do pagamento, “os valores não pagos serão apartados e incorporados aos respectivos saldos devedores, devidamente atualizados pelos encargos financeiros contratuais.” Isso é uma aberração de políticas públicas em épocas de recessão precipitada pela pandemia, como agora.

De fato, a economia em recessão ou depressão precisa sobretudo de demanda, e esse tipo de recursos condicionados a índices de correção monetária é estritamente contracionista. Recursos tributários não geram demanda efetiva, nem investimento ou emprego, porque o que se coloca na sociedade como gasto público é esterilizado enquanto tributo. Para se ter ideia de uma operação da mesma natureza, quando o Estado do Rio aderiu ao chamado Plano de Recuperação Fiscal consolidou uma dívida de R$ 8 bilhões junto ao Governo federal em 2016. Esses valores, por força de indexadores, se elevaram para nada menos que R$ 9 bilhões em 2017 e inacreditáveis R$ 44 bilhões em 2020.

Paralelamente, os dispositivos do acordo estabelecem medidas extremamente restritivas que os Governo estaduais devem seguir, seja para o pessoal ativo, seja para o inativo. Aqui de novo encontramos uma contradição. Controlar e reduzir gastos com pessoal, independentemente do estrago que isso faz no plano administrativo, também é extremamente contracionista do ponto de vista financeiro. Isso já seria ruim numa economia normal, mas, em tempo de depressão provocado por pandemia, é um crime contra o crescimento. Quando um funcionário compra um fogão, ele está transferindo dinheiro para o fabricante de fogão, que responde com investimento e criação de emprego. É estúpido, numa pandemia, ignorar isso.

Diante das relações estabelecidas entre União e Estados, é um imperativo a ruptura do pacto federativo atual e sua reconstrução em outras bases mais justas. Isso pode ser feito sem qualquer embaraço para o combate ao coronavírus. Ao contrário, vai favorecê-lo da única maneira que uma política econômica capitalista pode fazer, ou seja, criando demanda efetiva a partir dos gastos do Governo, de forma a promover, com disse, o investimento, governamental e privado, e sobretudo o emprego. Do contrário, seremos engolfados por uma onda neoliberal de ignorantes financeiros que destruirá vidas num ritmo muitíssimo superior à pandemia.

Anexo II

LEGISLAÇÃO PERTINENTE

Qual desses planos de recuperação conseguiram salvar os Entes Federativos?

1. Lei Complementar no 148/2014 – Altera a Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal; dispõe sobre critérios de indexação dos contratos de refinanciamento da dívida celebrados entre a União, Estados, o Distrito Federal e Municípios; e dá outras providências.

2. Lei Complementar no 156/2016 – Estabelece o Plano de Auxílio aos Estados e ao Distrito Federal e medidas de estímulo ao reequilíbrio fiscal; e altera a Lei Complementar n 148, de 25 de novembro de 2014, a Lei no 9.496, de 11 de setembro de 1997, a Medida Provisória no 2.192-70, de 24 de agosto de 2001, a Lei no 8.727, de 5 de novembro de 1993, e a Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000.

3. Lei Complementar no 159/2017 – Institui o Regime de Recuperação Fiscal dos Estados e do Distrito Federal e altera as Leis Complementares n 101, de 4 de maio de 2000, e n 156, de 28 de dezembro de 2016.

As pessoas que acham que a suspensão das dívidas dos Estados, em momento de pandemia, e uma liberação de auxílio financeiro para seu combate será a solução para as finanças dos Estados ou mesmo um eficaz enfrentamento do coronavírus, não deram atenção devida ao substitutivo do PLP 149, do Senador Alcolumbre. Há certamente a liberação de alguns créditos, não a concessão de recursos a fundo perdido, como justificavam as circunstâncias, junto com apenas a suspensão, e não o cancelamento, de algumas dívidas públicas dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

Foram colocadas no projeto vários condicionantes com verdadeiros ataques aos servidores públicos. Pior do que isso, os créditos concedidos numa situação de emergência e para salvar vidas, que se encontram fisicamente nos Estados e Municípios – sendo a União uma ficção jurídica -, terão de ser pagos com correção monetária na eventualidade de sua suspensão. Portanto, esse projeto aprovado é uma verdadeira armadilha financeira para os servidores públicos nos Estados e Municípios e para o conjunto da população, que dependem deles.

O substitutivo do Senador Alcolumbre à lei Complementar 149/2019, infelizmente aprovado, está na mesma linha de agressão por parte de outras iniciativas do Governo federal contra Estados e Municíios relativamente à dívida nula desses últimos junto à União. É o caso do projeto Mansueto, apresentado orgulhosamente pelo ministro Paulo Guedes, com os pseudo planos de recuperação dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

Para o enfrentamento ao COVID-19, foi estabelecido o Programa Federativo de Enfrentamento do Coronavírus, que altera a Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, e dá outras disposições. No parágrafo único, indica as seguintes iniciativas:

I – suspensão de pagamentos de dívidas contratadas entre os entes federativos e a União;

II – reestruturação de operações de crédito internas e externas junto ao sistema financeiro

e instituições multilaterais de crédito nos termos previstos no art. 4o desta Lei

Complementar; e

III – entrega de recursos da União, na forma de auxílio financeiro, aos Estados, Distrito

Federal e Municípios, no exercício de 2020, e em ações de enfrentamento ao Coronavírus

SARS-CoV-2 (COVID-19).

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AS PRINCIPAIS ARMADILHAS

1 – Valores não pagos serão corrigidos por índices de encargos financeiros. Assim, numa situação de pandemia nacional, o Governo federal não apenas nega recursos financeiros aos Estados e Municípios na forma mais do que justificada de recursos a fundo perdido, como ousa impor correção monetária e juros aos empréstimos interrompidos por alguma causa.

2 – Período de pagamento: No período de suspensão do pagamento das dívidas públicas, os valores não pagos serão apartados e incorporados aos respectivos saldos devedores, atualizados pelos encargos financeiros contratuais, como dito acima. (Art. 2o § 1o – I)

Obs.: O que significa isso? Um exemplo:

Quando o Estado do Rio de Janeiro aderiu ao plano de auxílio de recuperação financeira dos Estados, DF e Municípios, pela lei complementar 156/2016, os valores do serviço da dívida pública do RJ – cerca de R$ 6 bilhões foram apartados, por 18 meses; na realidade, uma moratória -, mas corrigidos pelos encargos financeiros contratuais.Quando houve a assinatura ao regime de recuperação, lei complementar 159/2017, em setembro de 2017, pelo ex-governador Pezão, esse saldo atualizado já era de R$ 9 bilhões.

Esses valores não pagos foram colocados na conta gráfica. Em fevereiro de 2020, o saldo cresceu para R$ 44 bilhões, e continuará crescendo até agosto de 2026. Esse é o resultado da dívida pública, não paga, apartada e corrigido pelos encargos financeiros contratuais, do Regime de Recuperação Fiscal RJ. É a absolutamente impossível que essa dívida venha a ser paga em qualquer momento do futuro da República, com a base tributária que o Estado tem.

3 – Renúncia às ações judiciais em andamento contra a União relativa à dívida pública.

Os entes federativos poderão incluir os valores das dívidas públicas não pagos, anteriores a 1º de março de 2020, desde que renunciem ao direito sobre que se funda a ação judicial. Esses valores serão devidamente atualizados pelos encargos financeiros contratuais. (Art. 2o § 6o)

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4 – OS ENTES FEDERATIVOS DEVERÃO RENUNCIAR ÀS AÇÕES AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO SE QUISEREM SER INCLUÍDOS NO RECEBIMENTO DO AUXÍLIO FINANCEIRO POR CONTA DO COMBATE À PANDEMIA.

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5 – O AUXÍLIO FINANCEIRO POSSIBILITARÁ A OPERAÇÃO DE SECURITIZAÇÃO NO ENTE FEDERATIVO; EM OUTRAS PALAVRAS, DARÁ CORDA PARA O ESTADO SE ENFORCAR

No exercício financeiro de 2020, os contratos de dívida dos Estados, Distrito Federal e Municípios, garantidos pela STN, com data de contratação anterior a 1o de março de 2020, que se submeterem ao processo de reestruturação de dívida, poderão ser objeto de securitização, conforme regulamentação da própria STN, se atendidos os seguintes requisitos: (Art.6 – II)II – securitização no mercado doméstico de créditos denominados em reais;

Note-se que esse projeto de securitização, que há anos rola no Congresso sob pressão, inclusive do senador José Serra, para que passe de qualquer forma, contém uma tremenda armadilha financeira contra os entes federados, que poderão transformar créditos públicos líquidos em créditos negociados através das chamadas entidades financeiras independentes, privadas, que levarão a parte do leão, graciosamente, no bolo da dívida pública previamente negociada pelos próprios governos e prefeituras.

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6 – COM ALTERAÇÕES NA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL (LRF) SERÃO POSSIBILITADOS ATAQUES DIRETOS AOS SERVIDORES PÚBLICOS DAS TRÊS ESFERAS DE GOVERNO. ASSIM, QUALQUER AÇÃO QUE PROVOQUE AUMENTO DE DESPESAS PARA OS SERVIÇOS PÚBLICOS PODE SER CONSIDERADA NULA, PREVENDO-SE TAMBÉM OUTRAS DURAS RESTRIÇÕES, COMO: (Art.7)

7 – Vedação a contratação de novos servidores;

MAIS ATAQUE A DIREITOS, BENEFÍCIOS, REESTRUTURAÇÕES DE CARREIRAS, CONCURSOS PÚBLICOS, PROMOÇÕES E PROGRESSÕES:

Na hipótese de que trata o art. 65 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia do Covid-19 ficam proibidos, até 31 de dezembro de 2021:

(Art.8) 1. I – conceder a qualquer título vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e militares, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade pública;

2. II – criar cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;

3. III – alterar estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

4. IV – admitir ou contratar pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa, aquelas decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios, as contratações temporárias de que trata o inciso IX do art. 37 da Constituição Federal, as contratações de temporários para prestação de serviço militar e as contratações de alunos de órgão de formação de militares;

5. V – realizar concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas no inciso IV;

6. VI – criar ou majorar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório, em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores e empregados públicos e militares, ou ainda de seus dependentes, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade;

7. VII – criar despesa obrigatória, ressalvado o disposto nos §§ 1o e 2o;

8. VIII – adotar medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação medida pelo IPCA, observada a preservação do poder aquisitivo referida no inciso IV do caput do art. 7o da Constituição Federal;

9. IX – contar esse tempo como de período aquisitivo necessário para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio, promoções, progressões, incorporações, permanências e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa.

Anexo III

Finanças Funcionais

Como o Estado pode fazer grandes investimentos em tempos de recessão

A relação entre Tesouro e Banco Central é o mecanismo chave para a estabilidade financeira da economia e o adequado financiamento do desenvolvimento. Essa relação foi estudada em profundidade pelo economista Aba Lerner. Ele criou a teoria das Finanças Funcionais, pela qual as variáveis financeiras básicas – déficit público, taxa de juros, expansão monetária, etc – são entendidas de acordo com suas funções centrais na economia, e não por suas definições meramente contábeis.

A teoria diz, em essência, que numa economia em recessão ou depressão – como a brasileira atual – o Estado que emite sua própria moeda pode criar moeda ilimitadamente, sem gerar inflação, até o esgotamento de sua capacidade ociosa. Isso pode parecer uma espécie de licença para emitir irresponsavelmente, mas não é. O gasto público deve estar limitado pela capacidade de investimento físico do setor público, e, se existe ociosidade na economia, de gente, significa que não pode existir inflação: a demanda salarial estará abaixo da oferta.

Há uma situação em que o Estado pode ter ampla liberdade de investir mesmo quando a capacidade ociosa da economia se esgota. Basta que ele emita e venda títulos públicos (quase moeda) na medida certa para reduzir a demanda global. Entretanto, no caso brasileiro, onde a memória inflacionária ainda resiste depois de décadas do fim da hiperinflação, é mais prudente reduzir marginalmente os investimentos públicos em face de situação de plena capacidade da economia. Mas o que deve ser retido dessa teoria é que não se deve temer a realização de investimentos e gastos públicos deficitários quando há capacidade ociosa.

Anexo IV

Moeda virtual e inflação

O futuro da moeda no mundo é perder completamente sua base física para se tornar virtual. Isso começou a acontecer na China. É a maior revolução no campo monetário desde a criação da moeda milênios atrás. A moeda virtual tem propriedades e características extremamente favoráveis à economia, notadamente no campo da produção, constituindo um poderoso instrumento para a redução dos custos de intermediação financeira e dos custos exorbitantes dos serviços bancários, inclusive na cobrança de juros, hoje exagerada.

Pode-se melhor entender a moeda virtual se dermos um exemplo prático. Imaginem que o Governo, através do Banco Central, queira emitir um bilhão de reais para assegurar a circulação de riqueza ou para fazer pagamentos de salários ou a fornecedores. Se for em papel ou em moeda metálica, será um transtorno para a economia. Não é possível fazer isso na prática com notas e moedas normais. Por isso, o Governo já opera com moeda virtual: ele manda um sinal aos bancos de que está depositando na conta deles um bilhão de reais.

Os bancos, por sua vez, pegam esse dinheiro e o distribuem entre seus clientes. E ganham muito na intermediação. Ganham do Governo, que paga a eles pelo serviço de “receber” o dinheiro vindo do Banco Central ou do Tesouro, e ganham do cliente, quando o banco repassa o dinheiro virtual à clientela. Todo o processo ganhará tremenda eficiência caso se tire a intermediação do banco no processo de expansão monetária. A moeda se torna, efetivamente, fiduciária e estatal, sendo hoje apenas fiduciária.

Como seria com a moeda plenamente virtual? O Banco Central, em articulação com o Tesouro, manda um sinal no valor de um bilhão de reais ao sistema bancário. Tudo para pagar contas. Os bancos comerciais realizam os devidos pagamentos repartindo o sinal entre a clientela. Há três possibilidades. Se o valor do sinal igualar as contas, não há expansão nem contração monetária. Se ficar abaixo, faltará dinheiro, e o Banco Central terá que emitir novos sinais para completar a conta.

Entretanto, pode haver o caso em que o sinal ultrapassará o valor da conta. Este é um caso típico de expansão monetária, saudável, se a economia estivo der com capacidade ociosa; ou arriscando inflação, pela pressão de demanda financeira, se a economia estiver a plena carga. Essas são as situações de relacionamento entre a moeda virtual e a economia. Se a China completar a conversão de seu sistema, e outros países aderirem, a primeira consequência será débâcle do dólar por falta de demanda. Quanto a nós, seríamos altamente beneficiados em face da neutralização de um sistema parecido com uma banca de agiotagem.

Capítulo II

BASES PARA UM GRANDE PACTO SOCIAL E POLÍTICO NO BRASIL

Fundamentos

Os signatários desta proposta de Pacto Social, confiados no sentimento nacional de irmandade que une a nação nesse tempo de pandemia, decidem se unir por cima de eventuais divergências políticas e ideológicas no sentido de propor um caminho comum de solidariedade e fraternidade para o país, à margem de processos comandados exclusivamente pela luta política e emoção eleitoral. É necessário advertir ao conjunto do povo, se ainda não se apercebeu disso, que estamos na iminência de uma convulsão social e política em larga escala. Portanto, temos que fazer todo o possível para evitá-la.

A sociedade brasileira experimenta, além da crise do coronavírus, um dos processos mais agudos de crise econômica e política, com grande radicalização entre forças que se fragmentaram também na luta eleitoral, beirando conflitos extremos. As instituições da República estão virtualmente derretidas. Executivo, Legislativo e Judiciário perderam credibilidade perante a cidadania. Os órgãos do Estado não funcionam, e quando funcionam carecem de neutralidade. A economia tornou-se um instrumento a favor exclusivamente dos ricos e dos poderosos, mergulhando o país na maior e na mais prolongada crise de desemprego e subemprego da sua história.

O Executivo tornou-se o espelho das distorções do Estado. O Governo federal fez-se refém de forças políticas que buscam seus próprios interesses no lugar do interesse público. Ficou evidente que para atender às aspirações básicas do povo precisamos implementar mudanças institucionais que conciliem Estado e Governo na mesma estrutura política a fim de assegurar a cada um deles uma plataforma de funcionalidade. Os recentes acontecimentos relacionados com corrupção no Executivo, em razão de sua grande repercussão pública, exigem que se reforcem os organismos de investigação policial de forma adequada, mas não exagerada.

O Judiciário tornou-se no Brasil um repositório de privilégios, de incompetência e de morosidade. Será impossível avançar na democracia sem uma reforma profunda desse Poder que se distanciou de forma absoluta do povo. O poder de guardião da Constituição se confundiu com o poder de legislar por conta própria, à margem das prerrogativas do Congresso Nacional eleito. Ao lado disso, órgãos judiciais como o Ministério Público se tornaram feitores de suas próprias regras de funcionamento, escapando do controle das instituições legislativas que tem o mandato popular para estabelecer leis.

Os dirigentes nacionais, de todos os partidos, cometeram erros. O maior deles, derivado de um inadequado sistema de governo de coalizão, foi terem confiado em asseclas que se revelaram corruptos e sem escrúpulos. Esses terão de prestar contas à Nação e ao povo. Entretanto, rejeitamos a interpretação jurídica arbitrária de leis vagas segundo as quais, por dedução hermenêutica, é considerado crime aquilo que não se definiu em lei, num recuo jurídico aos tempos da Idade Média. Caixa dois eleitoral deve ser tipificado e criminalizado para que não haja desculpa jurídica para esse tipo de desvio de conduta.

Saudamos a Lava Jato como um processo saudável de profilaxia dos costumes político-empresariais do país e de combate eficaz à corrupção. Entretanto, ações precipitadas de jovens procuradores e de juízes de primeira instância resultaram em graves prejuízos para a economia nacional, na medida em que se confundiu punição de empresário corrupto, pessoa física, com punição de empresa, pessoa jurídica. Disso resultou a perda de centenas de milhares de empregos de brasileiros no Brasil e no exterior, a desestruturação de redes empresariais e a ruptura de cadeias de financiamento de forma, muitas vezes, irrecuperável.,

O atual Governo esvaziou a participação brasileira no bloco dos BRICS. É um equívoco que deve ser revertido. Os BRICS, acima de querelas ideológicas, são o caminho aberto ao país para um maior protagonismo político mundial e para a retomada rápida do desenvolvimento econômico. Também será importante a retomada da agenda da integração latino-americana e, sobretudo, sul-americana, de importância vital para a promoção do desenvolvimento equilibrado da região. Enquanto possível e demandado, o Brasil deverá concorrer para a superação de crises econômicas que se abatem sobre países da região.

As instituições não mandam na sociedade civil. É a sociedade civil que deve orientar a ação das instituições e o próprio aparato estatal. A brutalidade policial deve ser coibida como forma de proteger a sociedade. Tivemos em tempo não muito longínquo situações em que uma jovem menor foi colocada na cadeia junto com cerca de 20 homens por decisão de uma juíza. É um acinte à ordem social, mas a juíza foi premiada funcionalmente. Em outra situação, um reitor de universidade federal foi levado ao suicídio em função de perseguição da Polícia Federal. Os dois casos configuram atentados contra o povo mediante abuso de autoridade.

É um imperativo estabelecer uma reforma do Estado no Brasil mediante um Grande Pacto Social e Político que consulte as raízes da Nação. Isso terá de ser feito segundo uma nova Constituição, com base nos Direitos Humanos Universais. A esse respeito, como dito, é fundamental que o cidadão seja protegido contra abuso de autoridade. Acontece que nenhum outro abuso se compara ao desemprego prolongado, que se manifesta como uma traição do Estado a seu cidadão. A superação da crise impõe portanto também um Pacto Econômico, em caráter de emergência, para que se reverta, a curtíssimo prazo, o alto desemprego no Brasil.

Os riscos institucionais em que o país incorre, tendo em vista graves crises políticas não suscetíveis de equacionamento do dia para noite, aconselham que seja proposto ao Governo atual se abster de propostas legislativas controversas, de iniciativa do Executivo, até se completar a transição presidencial e a eventual implementação desse Pacto e do Plano Nacional de Desenvolvimento que está sendo sugerido. Entendemos que tal decisão deva ser compreendida no contexto do próprio Pacto Social aqui proposto, para o qual pediremos a contribuição de todas as forças políticas do país.

Plano Econômico

Tendo em vista o caráter emergencial da crises econômica, propomos ao Governo acolher as sugestões desse Pacto como parâmetro de uma ação imediata. O povo não pode esperar mais pelo equacionamento da crise, principalmente pela solução do problema do desemprego, depois de cinco anos de recessão e até de depressão. A contemporização com o alto desemprego é um crime contra a sociedade. Diante disso, sugerimos, no âmbito do Pacto, um conjunto de medidas de curto prazo para rápida recuperação do emprego com base na experiência histórica internacional e nacional, e com base sobretudo em sólidos fundamentos econômicos. Em síntese, são as seguintes:

1. Programa de emprego garantido/trabalho aplicado pelo qual se garanta a jovens desempregados urbanos bolsas de trabalho para participarem de frentes de trabalho nas periferias urbanas pelo menos por três anos, aplicando-se essa mão de obra em trabalhos de urbanização, construção e saneamento nessas mesmas periferias, e oferecendo aos jovens treinamento profissional para facilitar aquisição de trabalho permanente na medida em que a crise for superada;

2. Reconhecimento da nulidade da dívida pública dos Estados junto à União e restituição do que foi pago indevidamente pelos governos estaduais nos últimos anos desde 1997; os recursos restituídos deverão ser destinados ao programa emprego garantido/trabalho aplicado nos Estados, e o restante em saúde, educação e segurança;

3. Financiamento, com subsídio federal, de um programa habitacional para populações de baixa renda;

4. Financiamento pelo Governo Federal de um amplo programa habitacional para classe média nos Estados, com juros em parte subsidiados, financiados pelo Tesouro;

5. Realização de programa articulado com os Estados de mobilidade urbana em todas as metrópoles e grandes cidades, financiado pelo Governo federal;

6. Retomada dos grandes investimentos de infraestrutura, em especial e do setor hidrelétrico, a partir de financiamentos do Tesouro através do BNDES; aumento dos investimentos da Petrobrás no pré-sal, recuperando o que foi entregue indevidamente a empresas estrangeiras, associado a um incremento do programa de conteúdo nacional nas encomendas da empresa; estímulo aos investimentos da Vale vinculados à “golden share” instituída no governo Fernando Henrique;

7. Na medida em que esgotar-se a capacidade de financiamento governamental com déficit (ver abaixo), instituição da CPMF para complementar o financiamento equilibrado dos programas sociais e utilização da CIDE exclusivamente para o financiamento da infra-estrutura logística.

Financiamento: A economia sofreu nos últimos três anos uma contração estimada em 8% do PIB, e pode chegar a 15% no curto prazo, se nada for feito. Isso implica a possibilidade de uma margem de recursos dessa mesma ordem a ser aplicada em investimentos deficitário, sem inflação, para retomada de financiamento público sem risco de inflação, dentro dos parâmetros da teoria de Finanças Funcionais. Considerando um PIB de R$ 7 trilhões, haveria mais de R$ 1 trilhão de financiamento em três anos. Sua aplicação tiraria a economia do buraco em questão de meses.

Chamamos de expansiva essa política fiscal. A ela se contrapõem os ajustes fiscais. Já vimos, desde 2015, como funcionam os ajustes fiscais. Eles visam exclusivamente a produzir grandes resultados financeiros para os bancos. Uma adequada política fiscal-monetária possibilita adequada expansão monetária na economia e uma drástica redução da taxa de juros que incide sobre a dívida pública, reduzindo o aumento da dívida e depois possibilitando sua redução.

É importante assinalar, contra o pensamento neoliberal, que o aumento do gasto público, mesmo deficitário e caso haja folga fiscal, acaba sendo reduzido e eventualmente eliminado com a retomada do crescimento econômico, tendo em vista o crescimento também da receita pública. Em outras palavras, o equilíbrio fiscal resulta do crescimento da economia, e não da recessão e dos ajustes.

Por outro lado, não existe a mais remota possibilidade de retomada de uma economia que se encontra em recessão sem ampliação do gasto público deficitário, exceto quando essa economia está realizando altíssimos saldos comerciais (Alemanha). A alegação de que superávit fiscal gera confiança no setor privado para investir é um equívoco; empresário investe porque tem demanda, nada mais.Esses conceitos são aprofundados em nota adiante, denominado Finanças Funcionais.

Plano Social

1. O principal programa social é o de geração de emprego formal. Nele devem ser concentradas todas as energias econômicas do país.

2. Já os programas sociais de caráter assistencialista, como Bolsa Família, devem amparar o número da clientela necessitada, sem escrúpulos mesquinhos; o que foi conseguido nos últimos anos, com grande aplauso internacional e nacional, não pode ser revertido. Entretanto, o Governo deve favorecer programas complementares de superação de necessidade absolutas pelo emprego.

3. O FIES deve ser equilibrado com a oferta de vagas nas universidades públicas, que se espera sejam prioritárias. Universidades privadas financiadas pelo FIES deverão oferecer a seus alunos adequados laboratórios de pesquisa, como as públicas.

Pacto Político

1. Convocação ao nível da sociedade de uma Assembléia Nacional Constituinte que leve em conta: o desejo da sociedade de uma carta democrática; a salvaguarda de princípios democráticos que não sejam atropelados pela demagogia; a funcionalidade do sistema estatal e de governo, examinando-se a conveniência de separar funções do Estado de funções do Governo; a instituição de justos e democráticos sistemas previdenciários e de Justiça do Trabalho.

Apelamos às elites brasileiras não subalternas ao sistema bancário que assumam a direção desse Pacto e coloquem em prática as sugestões aqui contidas no sentido de que se consiga um caminho de liberdade e de fraternidade para o Brasil. Estamos atuando com real espírito democrático e, sobretudo, com boa fé. É possível que ao longo do tempo tenhamos errado mas o empenho foi genuíno em favor da Nação e do povo. De qualquer modo, o que pretendemos agora, com total desprendimento, é ver o povo encontrar um caminho de felicidade e de completa realização de seus desejos, fora dos riscos da convulsão social e de fragmentação da Nação, e tendo estabelecido um firme controle da pandemia do coronavírus.

Epílogo

UMA ESTRATÉGIA ECONÔMICA PARA

O BRASIL E A AMÉRICA DO SUL

A crise financeira de 2008, que ainda persiste em grande parte do planeta, sobretudos no Brasil e na Europa, introduziu mudanças que tendem a ser permanentes ou no mínimo duradouras no sistema econômico mundial, o que aponta para o Brasil a necessidade de um realinhamento em termos de alianças estratégicas. A mudança que mais nos afeta diretamente, enquanto país e enquanto região, é a busca por parte de todos os países desenvolvidos de superávits no comércio de manufaturados, num movimento simultâneo único pela primeira vez na história.

Essa questão deveria estar no centro das preocupações das elites dirigentes brasileiras, de empresários, dos diplomatas, da universidade e dos profissionais da segurança nacional. É que não se trata de um momento no ciclo econômico mundial. É o efeito de uma determinação de caráter político, explícita na área do euro, onde políticas fiscais e monetárias extremamente restritivas empurram os países para buscarem saldos comerciais como único mecanismo de recuperação da atividade econômica, não obstante o recorrente fracasso dessa estratégia. No contexto mundial atual, esses superávits só podem ser obtidos a partir de déficits dos países em desenvolvimento.

Também não é um fenômeno temporário. A justificação para as políticas monetárias e fiscais restritivas é o endividamento público considerado alto na área do euro, medido pela relação dívida pública/PIB. Entretanto, as políticas restritivas produzem o efeito paradoxal de aumentar, e não reduzir, a relação dívida/PIB. Como consequência da continuada retração ou estagnação do PIB, o denominador cai, enquanto a dívida sobe para países que não emitem a própria moeda em razão da incidência de juros de mercado. Isso significa contração econômica num tempo indefinido, e um apelo ainda maior nos países com dívidas públicas consideradas elevadas no sentido de geração de saldos comerciais por aumento de exportações e redução de importações.

Essa situação não é resultado apenas de uma idiossincrasia política alemã por seus traumas passados com hiperinflações. É certo que as elites empresariais e políticas alemãs são profundamente ortodoxas e neoliberais, mas elas não poderiam impor sua ordem econômica ao resto da Europa se não contassem com a concordância militante dos dirigentes franceses, italianos e espanhóis, alguns dos quais abriram mão de suas convicções sociais democratas para aceitar taxas pornográficas de desemprego. Na realidade, é surpreendente que nenhum político eleito importante da Europa tenha reagido indignado quando, pouco depois de sua posse no Banco Central Europeu, Mario Draghi disse abertamente que para enfrentar a crise era necessário destruir o estado de bem estar social.

A absoluta prevalência dos interesses especulativos contra os interesses sociais nos países industrializados avançados, embora não totalmente nos Estados Unidos – estes fizeram uma pseudo-reforma pífia e disfuncional do sistema financeiro -, conta com o respaldo total das agências multilaterais como FMI e Banco Mundial, o BCE e a própria Comissão Europeia. Ao lado disso, as agências de risco se tornaram uma espécie de reguladoras privadas das políticas econômicas mundiais pela influência direta que têm no custo dos empréstimos internacionais. É praticamente impossível romper essa conspiração, que tenta, na realidade, deixar tudo como está no sentido da restauração das relações financeiras especulativas mundiais nas mesmas bases em que funcionavam antes do colapso de 2008.

Note-se que tudo poderia ter sido diferente não fosse a determinação europeia de perseguir a ortodoxia monetária e financeira. Sim, porque imediatamente após a crise, para salvar o sistema capitalista do colapso total, o G20 estabeleceu um consenso em torno de políticas keynesianas anticíclicas nas reuniões de Washington, Londres e Pittsburg. A ruptura desse consenso, quando as economias afetadas pela crise já se recuperavam em decorrência justamente dele, veio na reunião de Toronto, em 2010, quando Alemanha, Inglaterra e França patrocinaram as chamadas “estratégias de saída”, ou seja, o retorno à ortodoxia fiscal e a obsessão com a redução da dívida pública. Na Europa, as economias que seguiram esse conselho voltaram a desmoronar, e estão desmoronadas até hoje.

É importante assinalar, para os que não estão familiarizados com a terminologia econômica, que política monetária ortodoxa não tem nada a ver com responsabilidade monetária. Em determinadas circunstâncias, inclusive agora, é seu oposto. A teoria keynesiana aconselha que, em situações de recessão ou de depressão, o Estado não só pode como deve ampliar seus gastos deficitários. É a forma de restaurar a demanda, o investimento e o emprego, como se viu. Já quando a economia está crescendo e marchando para o pleno emprego, deve fazer o oposto, ou seja, reduzir ou eliminar o déficit e diminuir a dívida pública. A ortodoxia prega uma situação permanente de equilíbrio ou mesmo superávit fiscal, não obstante o ciclo econômico. É fácil ver que isso é uma estupidez ideológica. Presume que os Estados que se endividaram no passado, e foram todos, agiram sempre de forma irresponsável.

O que os ortodoxos mais temem nas políticas anticíclicas é a consequência dela em termos de um aumento temporário do poder econômico e coordenador do Estado, seja pelo lado do investimento público, seja pelo lado de uma política monetária expansiva. Por isso, na Europa do euro, o BCE, sendo independente dos governos, é um guardião rigoroso dos interesses bancários privados e bloqueia qualquer tentativa de política fiscal expansiva. É importante assinalar que isso não acontece nos Estados Unidos: a despeito da pressão contrária do Partido Republicano, o Governo Obama enfrenta o risco de estagnação com déficit fiscal e políticas monetárias expansivas – algo que o conjunto dos países desenvolvidos costuma negar aos países em desenvolvimento, exceto quando estes já não dependem diretamente do FMI para equilibrar contas externas.

Já a realidade político-eleitoral europeia não traz qualquer sinalização de pressão efetiva por parte da cidadania em favor de mudanças na política econômica no sentido da retomada da expansão. Ao contrário, o que as últimas eleições para o Parlamento Europeu indicaram foi um crescimento da direita a partir de temas sociais que lhe são caros, como racismo e imigração, sem grande ênfase nos temas econômicos. Isso prenuncia um movimento do eleitorado na mesma direção quando se iniciarem as eleições nacionais, de resultado mais efetivo. Mesmo na Espanha e na Grécia, com mais de 25% de taxa de desemprego (mais de 50% entre os jovens), movimentos como o dos “Indignados” murcharam ou desapareceram.

Os riscos que a prolongada crise europeia, a estagnação japonesa e a marcha lenta americana colocam para o Brasil não se refletem na imprensa ou na política brasileira. Os pré-candidatos presidenciais se voltam exclusivamente para temas paroquias como se eventos externos, sobretudo os que afetam estruturas produtivas globais, não nos dissessem respeito. Isso significa, simplesmente, uma crise generalizada de visão estratégica, mesmo porque, como se insiste aqui, a ameaça, efetivamente, não vem apenas da Europa Ocidental, mas também dos demais países industrializado.

É que os EUA, embora não seguindo política fiscal ortodoxa e apelando para uma política monetária expansiva, estão, além disso, sustentando a meta de dobrar exportações a cada cinco anos, anunciada por Obama desde 2010. Já o Japão fez agressiva desvalorização do câmbio de 20% para recuperar exportações. Dos grandes países líderes do comércio, a China, afetado pela contração do mercado europeu, é o único que deliberadamente, com um esforço de reconversão da demanda para o mercado interno, reduziu seus superávits com o resto do mundo. Isso, inversamente, se refletiu também na balança comercial com o Brasil, com o superávit com a China afetado por queda de preços e volumes de commodities exportadas. Essa situação sem precedentes coloca para os países emergentes um desafio histórico. Para países como o Brasil, se não houver uma mudança drástica em sua estratégia de desenvolvimento, seremos condenados à marginalização no mercado mundial de manufaturados, com evidente risco para o emprego e a trajetória de reservas cambiais. É um contexto que mostra a temeridade de propostas como a do acordo de livre comércio Mercosul (ou Brasil) União Europeia, que acentuaria o desequilíbrio dessas relações.

Entretanto, considerando não só o Brasil para toda a América do Sul, somos um país e uma das regiões mais ricas do mundo em recursos naturais, desde abundantes fontes de água doce aos diversos minerais. Podemos ancorar uma arrancada de desenvolvimento comum mediante industrialização desses recursos minerais desde que se equacione, por um lado, o financiamento do investimento, e, por outro, a demanda num contexto de baixo crescimento no mundo industrializado avançado.

A premissa fundamental numa estratégia com esse objetivo é estimular firmemente a industrialização de recursos minerais e agropecuários, resguardadas todas as precauções ambientais, considerando três momentos articulados: a mineração, a industrialização e a logística de transportes, tudo conectado a uma estratégia de crescimento interno e de expansão das oportunidades de exportação de produtos com valor agregado.

Se houver infraestrutura, pode-se induzir o setor privado a assumir a mineração e a industrialização com adequado financiamento que teremos com o Banco do Sul e o Banco dos BRICS. O gargalo é a infraestrutura de transportes. Em casos de rodovias, ferrovias ou hidrovias pioneiras, é fundamental a ação direta do Estado. O setor privado não investe e, quando o faz, quer tomar de volta do Estado, com juros, como está acontecendo com rodovias e aeroportos no Brasil. Para que um programa público de infraestrutura tenha credibilidade é importante definir fonte de financiamento estável, como foi em sua intenção original o IUCLG – Imposto Único sobre Combustíveis Líquidos e Gasosos ou a CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, ou seja, um tributo sobre combustíveis vinculado formalmente a investimentos de infraestrutura.

No Brasil, a CIDE ainda existe, embora zerada. Isso aconteceu no bojo das desonerações fiscais improvisadas de 2013. De qualquer modo, seu desenho institucional é frágil pois sua receita era recolhida à caixa única do Tesouro, com vinculação apenas nominal a investimentos de infraestrutura. O ideal, portanto, é que seja restaurada e sugerida aos outros países da América do Sul como um tributo formalmente vinculado, como acontece nos Estados Unidos, e que sirva de base de alavancagem para empréstimos bancários ao setor de infraestrutura.

Haverá resistência, sobretudo das elites empresariais, à efetivação de um tributo vinculado a investimentos de infraestrutura logística não só no Brasil mas nos demais países da América do Sul, os quais, com exceção da Argentina, têm em média metade da carga tributária do Brasil. A forma de lidar com isso seria condicionar a participação no projeto de desenvolvimento comum à instituição do tributo vinculado. Note-se que um tributo sobre combustíveis, tendo uma base ampla, requer alíquotas individuais muito baixas. Por outro lado, o fundo criado com esse tributo não seria um investidor direto nos projetos, mas uma base de alavancagem de empréstimos para investimentos; seria um garantidor. Assim, uma receita anual de 1 bilhão geraria uma capacidade de investimento em 20 ou 30 anos de 20 bilhões a 30 bilhões.

Equacionado o problema da infraestrutura, poder-se-ia articular o programa estratégico no âmbito do BRICS em parceria com a China. Em primeiro lugar, seriam selecionados, no Brasil e na América do Sul, projetos específicos de desenvolvimento industrial de recursos naturais. A China arcaria com a parte principal do investimento, garantida pela própria demanda, e a governança seria exercida com o Brasil e com outros países sul-americanos participantes. Seria aberto amplo mercado de bens de capital para as empresas brasileiras do setor, eventualmente em parceria com a indústria homônima chinesa, indiana e russa, do BRICS.

Com isso seria salva a indústria de bens de capital brasileira de uma concorrência predatória dos países industrializados avançados. O esquema interessaria à China no sentido de que ela se defronta com problemas energéticos e ambientais na forma de restrições à expansão territorial de sua indústria metalúrgica básica. Nesse sentido, o financiamento do investimento nos projetos escolhidos poderia basear-se numa demanda garantida de metais pela China, que desenvolveria fora de seu território, mediante acordos específicos, o suprimento desses metais para continuar sustentando seu alto crescimento. Foi dessa forma que se desenvolveu em parte Carajás, mediante demanda certa de produção futura convertida em financiamentos, com a diferença de que se tratava de um bem primário e o demandante era o Japão.

A estratégia aqui delineada abriria caminho para a articulação do Brasil e da América do Sul com a região economicamente mais dinâmica do mundo, o grande arco do Pacífico centrado na China. A ponte de acesso a esse arco seria o bloco BRICS, que teria, de um lado, como grandes demandantes de metais a China e a Índia, e, de outro, como supridores de produtos da indústria básica o Brasil e a África do Sul, ficando a Rússia numa posição intermediária. A consolidação desse arco responderia a ameaças do neoliberalismo em sua forma comercial: os acordos de livre comércio assimétricos, que retardam em vez de estimular o desenvolvimento.

Essa sugestão não substitui políticas de curto prazo, sobretudo a cambial, que estão afetando drasticamente a indústria manufatureira brasileira, notadamente a indústria de bens de capital. Contudo, temos um desafio estrutural que se sobrepõe ao problema cambial de curto prazo, na medida em que são os fluxos internacionais de comércio que estão se movendo contra nossos interesses. Deixar que isso aconteça, espontaneamente, sem reação, é um crime de lesa-pátria. Uma estratégia para a retomada do desenvolvimento industrial a partir do uso soberano de nossos recursos naturais abre o horizonte de um destino promissor para o Brasil e a América do Sul, com benefícios também para os demais países amigos do Terceiro Mundo, sobretudo da África Portuguesa, e em articulação com os nossos aliados do BRICS.

Por José Carlos de Assis: jornalista, economista, professor, mestre e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFR, autor de artigos de economia e de mais de 25 livros sobre Economia Política brasileira e mundial. 71 anos, aposentado pela Universidade Estadual da Paraíba.


JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política. Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964. Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro. Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica.