Após repressão policial em protesto, Sou da Paz pede que PM “trate todos como iguais”

por Jeniffer Mendonça

Justiça de SP determinou que atos de grupos pró-democracia não podem acontecer no mesmo local de manifestações bolsonaristas; protestos estão marcados para este domingo (7/6)

_Arquivo Ponte
À esquerda, PM escolta bolsonarista com um taco de beisebol; à direita, bombas de gás lacrimogêneo são lançadas contra manifestantes antifascistas | Foto: Arquivo Ponte


O Instituto Sou Paz encaminhou ofício ao governador João Doria (PSDB), ao secretário de Segurança Pública General João Camilo Pires de Campos e ao procurador-geral de Justiça Mario Luiz Sarrubbo alertando preocupação com o “tratamento desigual” dado pela polícia paulista em manifestações de grupos políticos divergentes.

A diretora executiva da entidade, Carolina de Mattos Ricardo, que assina o documento, destaca a diferença de atuação da Polícia Militar em atos antidemocráticos na Avenida Paulista, no centro da cidade de São Paulo, nos quais os manifestantes pediam fechamento do Congresso, do Supremo Tribunal Federal, além de intervenção militar, ocasião em que houve diversos buzinaços em locais próximos a hospitais e episódios não esclarecidos de tiros efetuados nos contextos desses protestos.

“Uma das manifestações registrou um ataque a arma de fogo contra transeuntes na mesma Avenida Paulista, em que uma estudante ficou ferida na perna devido ao disparo realizado por policial militar aposentado [em março], apesar da vedação a que manifestantes portem armas em locais de reunião, expressa do inciso XVI do artigo 5º da Constituição Federal”, argumenta.

Por outro lado, o ofício aponta comportamento repressivo da PM com bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo no último domingo (31/5), em protesto encabeçado por torcidas de futebol organizadas em prol da democracia e contra o fascismo. A Ponte registrou na ocasião que disparos de balas de borracha atingiram manifestantes, incluindo o fotojornalista Fernando Bizerra, da Agência EFE. Além disso, um vídeo de uma mulher bolsonarista carregando um taco de beisebol e sendo escoltada pela PM e a presença de símbolos e bandeiras neonazistas também causaram indignação.

O governador João Doria negou a desproporcionalidade de atuação da polícia e, nesta semana, declarou que os atos não poderiam ocorrer no mesmo local e horário. Ambas as manifestações, a princípio, estavam marcadas para acontecer na Avenida Paulista, neste domingo (7/6), e durante a semana, os grupos não conseguiram chegar a um acordo com a PM sobre o ponto de partida dos atos.

Mas, após decisão do Tribunal de Justiça, proferida nesta sexta-feira (5/6), na qual proíbe que protestos antifascistas e pró-democracia aconteçam na mesma avenida, as organizações Povo Sem Medo e Somos Democracia, bem como movimentos negros, decidiram mudar a concentração para ocorrer no Largo da Batata, em Pinheiros, na zona oeste da capital.
Leia decisão que proíbe atos antifascistas e pró-democracia na Avenida PaulistaBaixar

Em nota conjunta, as entidades consideraram que a determinação “atenta à liberdade de manifestação”, mas concordaram em migrar o protesto para o Largo da Batata a fim de visar a integridade física dos manifestantes. “Reforçamos todas as medidas sanitárias que estão sendo tomadas até aqui, como a criação de uma brigada de saúde para orientação dos manifestantes, a distribuição gratuita de máscaras e álcool gel e o reforço do distanciamento de pelo menos 1,5 m durante a manifestação”, diz trecho da nota.

A diretora do Sou da Paz alerta que “um momento tão conturbado e grave quanto o atual, a corporação deve estar mais atenta do que nunca no cumprimento do estrito dever legal” e que “eventual contaminação política baseada em discursos antidemocráticos deve ser diagnosticada e enfrentada para a proteção da própria instituição, assim como do império da lei”.

“Rogamos ao Estado de São Paulo e às polícias paulistas que sirvam de elemento apaziguador e estabilizador da tensão, por meio do respeito aos direitos e garantias fundamentais e do respeito à hierarquia e às leis. Da mesma forma que investiguem e coíbam discursos intolerantes e comportamentos violentos, em especial com o uso de armas, que podem gerar consequências trágicas”, solicita a entidade.

Para os protestos deste domingo, a Secretaria de Segurança Pública informou que vai mobilizar mais de quatro mil policiais militares e, além de três helicópteros, seis drones, 150 viaturas, quatro veículos guardiões e um veículo lançador de água. Além disso, declarou que não será permitido portar bandeiras e faixas com mastro ou hastes, guarda-chuvas, bastão para tirar fotos, materiais, objetos cortantes ou pontiagudos, bebidas alcoólicas, arma de fogo ou branca de qualquer espécie, fogos de artifício, taco de basebol, golfe e similares.

Reportagem do UOL também apontou que a PM foi orientada a abordar e revistar quem estiver usando mochila nos protestos, em operação intutilada “Combate”.

A realização de manifestações durante a pandemia do novo coronavírus, não somente em São Paulo, mas também em pelo menos outras dez cidades brasileiras, divide algumas personalidades que levantam bandeiras pela democracia e contra o genocídio da população negra.

Coordenador da Frente Povo Sem Medo e do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, Guilherme Boulos (PSOL) destacou em diversas postagens seu Twitter que é urgente não permitir uma “escala autoritária” de Bolsonaro.


Outras lideranças de partidos de oposição, no entanto, chegaram a escrever uma nota conjunta pedindo para os atos serem adiados. “Observando a escalada autoritária do governo federal, devemos preservar a vida e segurança dos brasileiros, não dando ao governo aquilo que ele exatamente deseja, o ambiente para atitudes arbitrárias”, diz trecho.

Na sexta-feira (5/6), o rapper Emicida divulgou um vídeo no qual explica por que não estará nos atos de domingo.

Na gravação de pouco mais de sete minutos e que chegou a mais de três milhões de visualizações até sábado (6/6), o rapper argumenta que apesar da indignação dos movimentos negros, em virtude da repercussão de mortes como o do adolescente João Pedro, no Rio de Janeiro, “qualquer aglomeração, por mais legítimos que sejam os nossos motivos, é pular na ciranda da necropolítica e elevar uma onda de contágio pior do que essa que já está para dentro das comunidades e para quem a gente ama”.

Emicida justifica que o contexto precisa ser analisado e que é preciso estratégia e organização. “Quem acha que a estrutura racista do Brasil vai ser desligada como um interruptor está viajando na maionese, precisa de uma construção base, de um projeto, de uma coalização em torno de algo. Não dá para pegar uma hashtag e achar que ela é um escudo”, afirma. “A pergunta que eu faço para todos nós que está legitimamente frustrado e cheio de ódio: qual o nosso poder de organização hoje para barrar um pá de infiltrado que pode se envolver?”.

No mesmo dia, horas antes, o ativista Raull Santiago, membro de diversos coletivos que atuam no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, fez uma transmissão ao vivo no Twitter esclarecendo a importância dessas manifestações.

O ativista aponta que diante desse cenário, a única presença do Estado se deu por meio da violência policial, sendo que os próprios moradores das favelas, como no Complexo do Alemão, tiveram que se mobilizar por conta própria para ter acesso a itens básicos. “Diante de uma pandemia global, a Polícia do Rio assassinou 177 pessoas no mês de abril, números maiores do que no mesmo mês no ano passado sem pandemia. Ou seja, com pandemia e tudo a violência direcionada ao nosso povo continua acontecendo, o genocídio é a regra e a política pública para a nossa população nesse país”, argumenta Raull.

De acordo com ele, é urgente denunciar e exigir que o Estado não atue apenas pela ótica do extermínio nas comunidades, onde a própria casa não é um lugar seguro. “A gente não pode ter a imposição do racismo de que a gente vai morrer de vírus ou morrer de tiro. E é mais grave do que isso: a gente nessa situação de pandemia teve que se organizar para fazer um enfrentamento a esse vírus invisível e ajudar o nosso povo a conseguir doação de água, cesta básica, kit de higiene”, afirma.

Outro lado

A Ponte procurou a assessoria de imprensa do Ministério Público de São Paulo, mas não obteve uma resposta. Já a Secretaria de Segurança Pública, questionada sobre a atuação da PM nos protestos, apenas enviou comunicado que informa o emprego do efetivo e da proibição de itens a serem portados por manifestantes.


Ponte Jornalismo

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