Defender a democracia, contra Bolsonaro, é combater a desigualdade

Anielle Franco, irmã de Marielle, e Marcos Nobre, do Cebrap, apontam necessidade de unir forças para extinguir risco autoritário e retomar diálogo

Por Vitor Nuzzi, da RBA
Reprodução TV Globo
Morro Pavão/Pavãozinho, em Copacabana: governo não fala sobre desigualdades  Reprodução TV Globo

São Paulo – A união de forças pela democracia e contra Bolsonaro pressupõe compromisso para combater a desigualdade, defendem os escritores e professores Anielle Franco e Marcos Nobre. A diretora do Instituto Marielle Franco e o presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) participaram na manhã desta quinta-feira (11) de um debate organizado pela Oxfam Brasil.

A diretora do instituto, Katia Maia, inicia afirmando que o poder, no país, é exercido por “homens brancos, poderosos e ricos”. É o retrato de uma não democracia, resume. “A maioria da população não está representada.” Ela também faz referência sobre o desmonte de conselhos promovido pelo atual governo, como o Consea (segurança alimentar), “referência de articulação entre sociedade civil e Estado, referência na FAO”.

O cientista social aponta a ação de Bolsonaro no sentido de ocultar determinadas pautas. “Faz um ano e meio que temos um governo que não fala em desigualdade. Como se estivéssemos em outro país e não em um dos mais desiguais do mundo”, afirma. “O que ele faz com o tema? Faz o que gostaria de fazer com todo mundo que não concorda com ele: silenciar.”

Ponto final

O presidente do Cebrap observa que Bolsonaro usa a expressão “ponto final” com frequência. “Ele quer impor o momento em que a discussão tem que ser encerrada, e os temas que podem ou não serem tratados.” Para Nobre, o país está em uma “linha fina”, o que exige cuidado e serenidade, considerando que o presidente montou um governo de guerra, segundo define. “Mas essa guerra não é contra o vírus, é para manter vivo o projeto autoritário, que ele sempre quis implementar”, acrescenta. “Os regimes onde a desigualdade mais cresce são os autoritários.”

Ele defende a formação de uma frente em defesa da democracia, que coloque como horizonte o afastamento de Bolsonaro, dentro do marco democrático. “Não respondemos autoritarismo com autoritarismo”, diz. O cientista social aponta a existência de uma “direita democrática” com a qual existe diálogo. “É para juntar todo mundo que é favor da democracia e, portanto, contra esse governo”, afirma o presidente do Cebrap, observando que não pode haver uma união meramente eleitoral.

“A coisa boa de frente ampla é que ninguém precisa abrir mão de sua bandeira, de sua agenda. Na minha concepção, não pode ser um pacto só pra tirar uma pessoa, tem que ser um pacto pra regenerar a democracia”, afirma. A preocupação, além de afastar o perigo autoritário, é fixar o centro do debate: “Defender a democracia no Brasil é combater a desigualdade”.

Ativismo político

Uma das questões da conversa de hoje foi sobre ativismo. Anielle lembra que cresceu vendo sua mãe e sua irmã Marielle se fazendo de “escudo” para que ela pudesse sair de casa para a escola. Aos 16 anos, ela foi estudar nos Estados Unidos. Ao retornar, encontrou sua irmã em plena atividade política. Depois do assassinato do vereadora e do motorista Anderson Gomes, criou o Instituto Marielle Franco, entidade que estava ainda se estruturando quando veio a pandemia.

Anielle conta que chegou a receber questionamentos sobre a atuação do instituto na assistência a famílias durante a crise sanitária. Tem gente que não sabe o que é morar numa favela, reage. “A gente não tinha escolha. Um auxílio emergencial que não caía, que as pessoas não sabiam nem como entrar… É um ativismo pela sobrevivência. O povo da favela está cansado. Ou a gente morre de fome, de tiro ou de covid.” Ela conta que foi feito um mapa nas periferias do Rio de Janeiro com mais de 300 pontos de doação. Anielle também acredita na formação de uma frente, mas observa que a esquerda tem que se entender primeiro, “a começar de uma autocrítica da questão racial”.

A ativista também considera “assustador” o fato de os shoppings estarem sendo reabertos no Rio. “Quando a gente vai numa UPA ou numa Clínica da Família, para entregar uma cesta básica, é desesperador o que a gente vê. E as pessoas pensando em shopping”, comenta. “Eu posso estar enganada, mas achava que seria muito mais interessante salvar essas vidas primeiro.”

Justa ira

Sobre a prisão, ontem, de um bombeiro supostamente envolvido na morte de Marielle, ela acredita que é mais um passo dado na investigação. “O que gente, família, sabe é pela mídia.”

Para Nobre, a pandemia “escancarou” as desigualdades e injustiças no Brasil. “E essa tem de ser a pauta de qualquer candidatura progressista”, acrescenta. Sobre a abertura de processo de impeachment contra o governador do Rio, Wilson Witzel, ele acredita que isso pode se voltar contra o próprio Bolsonaro. Independentemente disso, o presidente do Cebrap aposta no diálogo. “Tem gente que faz o culto da morte, da violência. Nós não somos assim. Vamos tentar convencer as pessoas que têm uma justa ira, como diria o Paulo Freire, que vale a pena investir nas instituições.”

Edição: Helder Lima

Rede Brasil Atual

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