A derrota dos grupos de mídia nacionais

Hoje em dia, apenas as Organizações Globo e a Record – por ligações com a igreja – tem condições de se manter por algum tempo.

Por Luis Nassif

A notícia de que a ABERT (Associação Brasileira das Empresas de Radiodifusão) decidiu patrocinar um projeto de lei permitindo a entrada de capital estrangeiro na mídia nacional mostra que os grupos nacionais jogaram a toalha.

A derrocada dos grupos de mídia nacionais começou com o advento da Internet. Até então, o setor se defendera ferozmente de qualquer invasão estrangeira, através de uma reserva de mercado garantida por lei, impedindo controle estrangeiro até para publicações escritas. O advento da TV paga criou a primeira brecha no modelo.

Mesmo assim, os anos 90 marcaram o apogeu da mídia tradicional. Nunca os jornais venderam tanto. As emissoras de radio e televisão se consolidaram em redes nacionais. Havia uma divisão clara de mercado. Anúncios nacionais eram divulgados nas redes de TV e em algumas revistas de alcance nacional, como a Veja.

Os grandes diários tinham uma abrangência estadual, com penetração em regiões vizinhas de outros estados. A publicidade local ficava com as emissoras menores, os rádios e os jornais locais. Os jornais municipais tinham acesso aos classificados.

Nesse céu de brigadeiro houve investimentos pesados em gráficas, novas sedes, novos equipamentos. Havia uma enorme liquidez no mercado internacional e bancos com linhas de financiamento em dólares.

A maxidesvalorização de janeiro de 1999 foi o início do fim, uma espécie de castigo aos grupos que ajudaram a consolidar uma política cambial temerária e nociva. Foi necessário o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) apoiar os grupos para que sobrevivessem.

Ainda machucados pelo câmbio, tiveram que encarar o novo meio que surgia avassalador – a Internet -, para onde confluíam todos os grupos, as empresas de telecomunicações, os grandes grupos de mídia e as redes sociais, que começavam a ganhar corpo.

Sem fôlego, sem conhecer direito os novos meios, partiu-se para uma estratégia suicida, trazida para o Brasil por Roberto Civita, da Editora Abril. Tratava-se de emular a estratégia de Rupert Murdoch, o australiano que saíra de seu país, levantara recursos no mercado internacional e passou a adquirir jornais e estúdios em vários países.

No início dos anos 2000 decidiu dar um passo além. Foi buscar na ultradireita americana o discurso mais ignóbil, tentou interferir diretamente nas eleições presidenciais para tentar, via influência política, barrar o avanço dos novos grupos que surgiam. A eleição de Obama, amparado por voluntários atuando nas redes sociais, matou sua ambição. Mas deixou seguidores.

Os novos tempos coincidiram com uma transição geracional nos principais grupos e os novos herdeiros seguiram cegamente as propostas de Roberto Civita, com o carro-chefe, a revista Veja, se transformando no maior representante do que ficou conhecido como o jornalismo de esgoto.

Criaram-se narrativas sobre a ameaça petista, imaginaram-se invasões do país pelas FARCs, pela Venezuela, e outras pirações de guerra fria. Mas o objetivo óbvio era ganhar o poder de desestabilizar governos e se valer da influência política no novo mercado que surgia. Os inimigos reais eram os novos atores que surgiam, Google, Apple, Facebook.

Foi em vão. Em pouco tempo, os novos modelos de negócio se impuseram. O Google passou a ter uma receita publicitária que só perdia para a Globo. Ao mesmo tempo, a publicidade da rede passou a se dividir por sites de compras, Youtubers influenciadores, novos veículos que pipocavam a torto e a direito, ao mesmo tempo em que veículos estrangeiros se consolidavam junto a um público restrito, mas sequioso do bom jornalismo, como o El Pais, a BBC.

Gradativamente os velhos modelos de negócios foram se esboroando. Revistas impressas, jornais impressos, o modelo de publicidade em papel, foram os primeiros a cair. Depois, a publicidade em TVs abertas, com a audiência corroída pelo cabo. Finalmente a TV paga caindo, sufocada pela crise econômica e os grupos externos entrando com venda direta, como foi o caso do Netflix e Amazon, e seu modelo on demand e de venda direta.

Com os meios de difusão sem amarras, primeiro entraram os canais esportivos. A Globo ainda conseguia se agarrar à exclusividade dos campeonatos nacionais de futebol que perde definitivamente este ano. Mas já havia um macro ambiente suficientemente robusto para o primeiro grande lance, a do grupo CNN invadindo o jornalismo televisivo com recursos e padrão inéditos no jornalismo pátrio multiveículos.

Hoje em dia, apenas as Organizações Globo e a Record – por ligações com a igreja – tem condições de se manter por algum tempo. Ainda não está claro qual será o novo desenho da mídia, especialmente das redes abertas. As redes de TV ainda dispõem de uma boa base política, através dos coronéis eletrônicos donos de concessões das principais redes de TV em seus estados.

O futuro chegará muito mais rapidamente do que se espera. E não será necessariamente melhor.

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