Ligia Bahia: Militares transformaram Ministério da Saúde em receptador de toneladas de cloroquina e agência de empregos para filhas de generais



por Conceição Lemes

Em 21 de maio, o jornalista Guilherme Amado publicou em sua coluna na Época: Nenhum dos 12 militares nomeados na Saúde por ministro fez medicina.

Àquela altura, o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, havia nomeado pelo menos 12 militares para sua equipe.

Nenhum formado em medicina.

Amado publicou a lista dos nomeados:

– coronel Antônio Élcio, para secretário-executivo substituto

– tenente-coronel Reginaldo Machado, para diretor do Departamento de Gestão

– coronel Luiz Otávio Franco Duarte, para assessor especial

– tenente-coronel Marcelo Duarte, para assessor do Departamento de Logística

– subtenente de infantaria André Botelho, para coordenador de contabilidade

– major Ramon Oliveira, para coorndenador de Inovações de Processos

– subtenente Giovani Cruz, para coordenador de Finanças do Fundo Nacional de Saúde

– tenente-coronel Marcelo Pereira, para diretor de programa

– tenente-coronel Vagner Rangel, para coordenador de execução orçamentária

– major Angelo Martins, para diretor do Departamento de Monitoramento e Avaliação do SUS

– tenente Mario Costa, para a Subsecretaria de Planejamento e Orçamento

– capitão Alexandre Magno, para assessor

Questionado pelo jornalista, o Ministério da Saúde não explicou por que não havia nomeado nenhum oficial médico.

A pasta limitou-se a enviar um texto que não respondia à pergunta feita, defendendo a atuação do corpo técnico do ministério, que “mantêm a normalidade das atividades”.

Mas as nomeações de militares para o Ministério da Saúde não pararam por aí.

Nos dias seguintes foram, pelo menos, mais 13.

Em 5 de junho, o ministro da Saúde, o general Pazuello, nomeou o tenente-coronel Nivaldo Alves de Moura Filho, para diretor de Programa da Secretaria-Executiva. E o coronel médico Roberto Bentes Batista, para diretor do Departamento de Engenharia de Saúde Pública da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). É o único formado em medicina.

Na ocasião, a repórter Bruna Lima, em matéria para o Correio Braziliense, registrou:

Com a inclusão [de Moura Filho e Batista], passa para 25 o número de militares na linha de frente da pasta mais requisitada em tempos de emergência de saúde

O resultado é sinistro. O pior possível.

Em nota publicada nesta quarta-feira, 29-07, no blog de Ancelmo Gois, em O Globo, a médica sanitarista Ligia Bahia, professora de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avalia:

A passagem dos militares pela gestão do Ministério da Saúde é melancólica.

Sem bravura para enfrentar a Covid-19, passam seus dias descobrindo novas funções para o SUS.

A Saúde passou a ser receptora das toneladas de cloroquina fabricadas em laboratórios do Exército e de filhas desempregadas de generais.

A morte de quase 90 mil compatriotas não mobiliza a defesa da pátria.

O SUS, ao invés de campo de batalha pela Saúde, virou agência de empregos. Enquanto o país tem uma taxa de subutilização da força de trabalho de 24,2%, combatentes estrelados, exercendo atividades para as quais não têm competência, nomeiam profissionais sem formação na Saúde.

A única demonstração de força foi um arroubo do coronel que ocupa cargo importante no Ministério.

O oficial recomendou, na Câmara dos Deputados, a compra de insumos superfaturados, desde que acompanhada por sindicâncias — orientação contrária às regras elementares da administração pública.

‘Enfrentamento’, ‘controle’ e ‘campanha’, metáforas de guerra, adotadas pela ciência para delinear estratégias de ação durante a pandemia, perderam significado para quem impávido assiste o país perder vidas”.

PS de Conceição Lemes: Na fotomontagem (no topo), estão a professora Ligia Bahia, o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, e o secretário-executivo do Ministério da Saúde, o coronel da reserva Elcio Franco Filho.

Na lapela, o coronel usa um broche com uma caveira e uma faca perfurando o crânio.

O Dr. Rosinha, quando viu o coronel com esse broche, sentiu um arrepio percorrer o seu corpo e fez um texto a respeito, publicado no Blog Arapuca, que tem no Viomundo.

É oportuníssimo resgatar um trecho desse texto aqui, já que diz respeito ao tema desta matéria e muitos leitores não viveram os tempos sombrios da ditadura militar.

Dr. Rosinha: Meu pai tinha razão quando dizia que a gente tem de ter medo de vivo, morto não faz mal a ninguém:

“O inconsciente trouxe-me outros fatos e/ou histórias do passado, cujo símbolo é a caveira.
Imediatamente veio-me à mente a Scuderie Le Cocq, ou Esquadrão Le Cocq, ou Esquadrão da Morte.

Na ditadura, havia muitos esquadrões da morte. Hoje não está diferente.

Abro um parêntese: a Scuderie Le Cocq era uma organização paramilitar criminosa –como as milícias de hoje –criada por policiais no Rio de Janeiro. Atuou nas décadas de 1960, 1970 e 1980, portanto no período da ditadura militar.

Seu emblema: uma caveira sobre ossos cruzados, que significava, “tenha medo de nós. Somos violentos”. Fecho o parênteses.

A entrevista do coronel Elcio Franco foi para ele tentar explicar a confusão criada pelo próprio Ministério da Saúde ao mudar a metodologia para contabilizar os dados sobre os números de infectados e mortos do covid-19 no País.

O governo Bolsonaro quer diminuir o número de infectados e de óbitos e para isso tem à frente da pasta o general fardado Eduardo Pazuello, que, por sua vez, nomeia o coronel do broche com caveira. Isso, no mínimo, transmite insegurança.

Grande parte dos que hoje morre por covid-19 é vítima justamente da violência institucional de Bolsonaro e da equipe política que ocupa o Ministério da Saúde.

Ao lado da caveira transpassada por uma faca estava, na lapela do paletó do coronel, o símbolo do SUS (Sistema Único de Saúde), que praticamente passou despercebido.

A simbologia da morte violenta se destacou mais que a da defesa da saúde e da vida.

O mínimo que se pode dizer é que os militares que ocupam cargos no Ministério da Saúde não sabem o que é saúde pública nem o que é o SUS.

Tampouco tem qualquer sensibilidade com a dor alheia”.


Viomundo

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